Opinião

Uma tragédia continuada

Uma tragédia continuada

Foi uma tragédia como poucas se viu igual esta do incêndio do edifício em São Paulo. Impressionou pelas imagens, pelo desabamento, por termos assistido uma pessoa na iminência de ser salva acabar soterrada na montanha incandescente de entulhos. Não era filme de Hollywood.

Não chega a se configurar como expressiva pelo número de vítimas fatais. O que ela traz ao picadeiro são algumas questões cruciais e que o país, os governos e, sobretudo as grandes metrópoles fingem não saber: temos um seríssimo problema de moradia.

Veja, discute-se muito, a questão dos presídios. Há superlotação, condições precárias e desumanas, não há como prender tantos delinquentes e criminosos. Mas o pessoal escondido das vistas da sociedade em favelas parece não ser um problema real. Aqui sim, parece coisa de filme ou da TV. É como quando vemos guerras sangrentas na África tribal, não nos diz respeito.

Aí tem gente pinçando a questão da exploração dos inquilinos pelos movimentos sociais. É, não tem como concordar mesmo. Faturar encima da miséria alheia e ainda posar como defensor dos mais fracos é nojento e não merece misericórdia. É preciso investigar e punir. Ainda assim trata-se de uma questão subsidiária.

O principal é notarmos que não há qualquer projeto para moradia popular em andamento no Brasil. Inocentemente, muitos de nós chegamos a pensar que o Minha Casa Mina Vida tivesse amenizado a situação. Segundo autoridades no assunto, o programa, de fato, foi o maior em décadas. Mesmo assim não chegou a mudar o panorama social. Um número ilustra isto. Em Porto Alegre, com déficit de moradias oscilando entre 40 /70 mil o padrão mais baixo de moradias contemplou apenas três mil unidades. Ou seja, uma gota de água limpa num açude cheio de lama.

Enquanto isto, se fica sabendo que a União possui mais de 200 mil imóveis inutilizados. E as prefeituras? E os governos de estado terão quantos outros? E a suntuosidade dos palácios da Justiça ou de outras repartições públicas. Será que ninguém vê ou é um assunto muito incômodo? Enquanto isto dólares são transacionados, vão para fora do país num engenhoso sistema de compensação de dar inveja à Receita Federal que não consegue detectar este tráfego tão intenso e discreto quanto o buraco da camada de ozônio.

É preciso tomar uma atitude. E não basta saber que há toneladas de donativos para os desabrigados da tragédia do largo Paissandú. Os donativos vão terminar e milhares de crianças e adultos continuarão em lares que sequer merecem este nome. Isto no Rio,  em Porto Alegre em Caxias e cidades menores. E juízes, desembargadores e políticos em palácios suntuosos e egos enormes.