Opinião

Um desafio

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Às vezes, os alunos me pedem sugestão de temas para serem abordados em TCCs e Dissertações de Mestrado. Não culpo eles, porque eu sou a encarnação da problematização. Não foi por acaso que meu irmão, quando pequena, me chamava de “Perguntolina”: tudo tinha que ser muito bem explicadinho e sempre vinha meu retruco: “E se não for assim, mas assado”?

Recentemente, me deparei com uma temática e quero colocá-la aqui. Talvez, alguém se anime a escrever sobre ela. Tive a ideia depois de ler, de Daniela Arbex, a obra “Todo o Dia a mesma Noite”, em que ela aborda a história não contada da Boate Kiss. E, no Capítulo IX, intitulado “Penúltimo Ato”, ela conta a dolorida história de um jovem vítima fatal naquele indigesto episódio.

Não quero falar da morte daquele menino, mas na vida. Dezenove anos antes, no ano de 1993, recém-nascido, ele foi abandonado na Santa Casa de Santa Maria e necessitava de um lar. Usava uma calça plástica feita de açúcar cristal.

Ao tempo, havia um casal negro, cuja mulher não podia gerar filhos de seu próprio útero, habilitado na fila de adoção. A criança era negra também. Enquanto casais brancos permanecem longos anos na fila de espera por adoção de filhos brancos, aquele casal de pele negra não demorou a ser acionado pela Vara da Infância e Juventude, já que a criança abandonada era também negra e foi salva do abandono.

Foi nesse contexto que enxerguei um tema muito interessante de ser explorado por meio de pesquisa: a cor branca continuava sendo prioridade para os cerca de seis mil candidatos à adoção no Brasil.

Tenho que os dados já não são mais atuais, porquanto a obra referida foi publicada em 2018. Como seria agora? Há, mesmo essa desproporção? Qual é fonte? Por que existe a prioridade? Está correta essa permissão legal de se escolher a cor de quem será recibo em adoção? Será que a adoção não deveria ser priorizada do ponto de vista constitucional do direito da criança, como primazia, de ser inserida em um contexto familiar? O amor muda a depender da cor da pele do filho? Será que, admitindo escolhas, além de inverter a teleologia constitucional, não estaremos alimentando o racismo estrutural?

São aspectos que eu gostaria de ver enfrentados em um trabalho de pesquisa acadêmica, para além das minhas elocubrações mentais. Exige esforço, mas, tenho certeza, daria imensa satisfação ao investigador científico.