A Rússia vem perdendo força no conflito do Leste Europeu. Nas últimas semanas, enfrentou sua pior derrota em sete meses de guerra com a Ucrânia e perdeu o controle de Kharkiv, a segunda maior cidade do país, a qual dominava desde o começo do conflito. “Desde o começo de setembro, nossos soldados já libertaram 6 mil km² de território ucraniano no leste e no sul, e continuamos avançando”, afirmou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Não foi só isso, as contraofensivas fizeram com que os russos precisassem suspender o plano de anexação de Kherson e rever a logística do exército. O Ministério da Defesa russo confirma os avanços ucranianos, entretanto, afirma que as tropas de Vladimir Putin estão infligindo pesadas perdas aos ucranianos, “que estão tentando se enraizar em certas áreas” do sul ocupado da Ucrânia. “As autoridades de Kiev anunciaram que lançaram e estão conduzindo uma operação contraofensiva ativa. Bem, vamos ver como ela se desenvolve, como termina”, disse Putin, com um sorriso, após cúpula da Organização de Cooperação de Xangai. Na quinta-feira, em resposta, os russos atacaram Kryvyi Rih, a cidade natal de Zelensky, localizada na região de Dnipropetrovsk, próxima às cidades de Mykolaiv e Kherson, e atingiu infraestrutura ucraniana, incluindo uma barragem de reservatório e fornecimento de eletricidade. Esses ataques, assegura Moscou, podem piorar.
As tropas ucranianas afirmam que estão avançando nas regiões do leste, parcialmente controladas por separatistas pró-Rússia desde 2014, e na região de Kherson, ocupada pelo país inimigo logo após a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro. A área está no limite da península da Crimeia. Essas últimas conquistas motivam os ucranianos a um novo objetivo: libertar todo o território ocupado pelas forças invasoras russas após expulsá-las em uma rápida contraofensiva no nordeste do país. Guilherme Thudium, doutor em estudos estratégicos internacionais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), pontua que esse é o melhor “momento da Ucrânia de avanço e reconquista” e explica por que os últimos acontecimentos aumentaram a moral das tropas de Zelensky e da população. “A Ucrânia estava militarmente rendida e incapacitada”, diz, referindo-se a quando as tropas de Putin cercaram Kiev e queria a destituição de Zelensky. Quando não conseguiram o que desejavam, focaram na parte leste, em especial nas repúblicas separatistas. “Isso mudou o curso da guerra”, diz Thudium. Bernardo Wahl, professor de segurança internacional da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), fala que, neste momento do conflito, a Rússia está atacando para se defender. “A guerra ainda não está definida, mas a Ucrânia tomou a iniciativa e a Rússia recuou para uma posição defensiva”, explica. Ele acrescenta que esse recuo e, consequentemente, a perda de posição junto aos equipamentos militares, vão garantir que as forças russas não consigam proteger a região de Donbass até o final do ano, o que acaba por “limitar o potencial ofensivo russo”.
O pensamento de Wahl correlaciona com os últimos levantamentos realizados pelo instituto americano CNA, segundo os quais a guerra mostra as falhas no serviço de inteligência da Rússia. Segundo Pierre Grasser, historiador de relações internacionais e pesquisador do laboratório Sirice em Paris, a Rússia não soube antecipar os ataques inimigos. Ele destaca o poder de manipulação dos ucranianos, que anunciaram um contra-ataque no sul antes de lançar outro maior no nordeste. “No entanto, os sinais fracos poderiam ter alertado Moscou”, estima ele, em particular porque a Ucrânia parece ter sondado essa linha de frente ao longo do mês de agosto, com operações de pequena escala. Rob Lee, do Instituto de Pesquisa das Relações Internacionais (FPRI) da Filadélfia, aponta inclusive que algumas emissoras russas alertavam no Telegram há um mês sobre uma concentração ucraniana perto de Kharkiv. “Uma das maiores fraquezas do exército russo é que ele demora a responder às mudanças no campo de batalha”, comenta. O especialista militar independente russo Alexander Jamshikhin observa que ataques simultâneos ucranianos complicam a tarefa de Moscou. “A inteligência russa não compreendeu exatamente onde aconteceria a verdadeira contraofensiva”, destaca à AFP. Para ele, o retrocesso russo é explicado por outros motivos. O especialista menciona ainda “o equipamento técnico, especialmente o número de armas no terreno”, em benefício das forças de Kiev. Seus chefes militares “não se prepararam para a introdução das armas da Otan”, afirma em sua conta do Twitter, Christopher Dougherty, do CNAS, em Washington. Os mísseis Himars e Harm ou os obuses de autopropulsão Caesar mudaram o curso da guerra, ainda mais porque Moscou não previu seu impacto nos combates.
Para Guilherme Thudium, o Himars m142 “mudou a guerra do ponto de vista da defesa ucraniana”. Ele destaca que a ajuda ocidental foi fundamental. Já foram milhões de dólares gastos com armamentos para a Ucrânia. Os Estados Unidos, principal fornecedor de equipamento de defesa desde o início da guerra, prometeram US$ 15,2 bilhões em armas, incluindo mísseis antitanque Javelin e artilharia e munição compatíveis com as da Otan. Esse crescimento da Ucrânia “fortalece a ação do ocidente de aplicar pressão econômica sobre a Rússia e fornecer ajuda militar até a níveis mais altos”, diz Bernardo Wahl, ressaltando que, sem o armamento do Ocidente, a situação da Urânia não seria a mesma. Esse constante envio de armas do Ocidente e o recuo russo preocupam Thudium, pois, “uma Rússia acuada pode significar uma resposta às perdas com armas nucleares táticas”. “É preocupante, pois as coisas podem escalar verticalmente. Quanto mais acuada fica a Rússia e prolongado o conflito, mais perigoso fica para a ordem internacional.”
Mas essa não é a única preocupação que merece atenção. Wahl diz que está guerra é muito importante para a Era Putin. “Há grupos que se tornaram mais alarmistas e pessimistas sobre a trajetória desse conflito. Eles podem acelerar o declínio da popularidade da guerra entre os russos e encorajar grupos anit-Putin”, avalia. Thudium ressalta que Putin está sofrendo pressões internas e até aumentou sua segurança pessoal porque sabe que pode sofrer represálias. Na segunda-feira, 12, Moscou e São Petersburgo iniciaram uma petição para pedir a renúncia do líder russo. Ao todo, deputados de 18 municípios, assinaram uma petição. A lista de assinatura foi postada no Twitter com a seguinte mensagem: “Nós, os deputados municipais da Rússia, acreditamos que as ações de seu presidente, Vladimir Putin, são prejudiciais ao futuro da Rússia e de seus cidadãos. Exigimos a renúncia de Vladimir Putin do cargo depPresidente da Federação Russa”, escreveu Ksenia Thorstrom, deputada local do distrito de Semenovsky em São Petersburgo. Para Wahl, Putin não pode deixar que a Ucrânia predomine porque coloca em risco seu regime.
Thudium alerta que, mesmo com a Ucrânia se sobressaindo e sendo mais assertiva neste momento, não significa que a guerra vai ter um fim imediato porque a Rússia está enraizada na parte sul do território ucraniano e conseguiu criar um corredor de escoamento que vem de seu território, passa pelo Donbass e chega na península da Crimeia. Rússia e Ucrânia não entram em contato para realizar negociações de paz desde o final de março. Após um telefonema com o presidente russo Vladimir Putin, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, declarou que as chances de paz são mínimas. “Tenho a sensação de que ainda estamos muito longe da paz. Estaria mentindo se dissesse que isso poderia acontecer em breve”, disse Guterres. “Não tenho ilusões, neste momento, as chances de um acordo de paz são mínimas”, insistiu, assinalando que um cessar-fogo não está no horizonte. “Sigo em contato com ambas as partes e espero que algum dia seja possível avançar para um nível de discussão mais alto.” Na sexta-feira, 16, durante uma reunião com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, na cidade de Samarkand, no Uzbequistão, Putin prometeu que fará tudo o que puder para que o conflito na Ucrânia termine o mais rápido possível. O chefe do Kremlin alegou que é a Ucrânia que se recusa a negociar. “Infelizmente, o outro lado, a liderança ucraniana, expressou sua rejeição ao processo de negociação, porque quer alcançar seus objetivos por meios militares.”
Fonte: Jovem Pan