A prefeitura de Bento Gonçalves tem 30 dias para apresentar ao Ministério Público (MP) do estado em Bento Gonçalves os resultados de simulações que demonstrem se algumas alterações já previstas ao projeto original do Túnel São João, que está sendo construído na interseção da Rodovia BR-470 com a Rua Alvi Azul e a Rodovia RS-444, vão implicar em melhorias na obra, além de indicar a viabilidade de ampliação do tráfego de veículos longos no local. A definição ocorreu em uma audiência realizada no dia 9 de junho no MP de Bento Gonçalves, que debateu os apontamentos técnicos realizados pela Unidade de Assessoramento Ambiental do MP, que concluiu que o projeto original “aparentemente não atende às necessidades do local, pois não comporta todas as tipologias de veículos” que trafegam na região. Além disso, o município deverá apresentar também a possibilidade de adequação de outra rótula de acesso, projetada para ser construída próxima ao bairro Maria Goretti, onde poderia ser feito o retorno dos veículos longos.
Durante a audiência, os representantes das empresas de transporte que operam no local confirmaram que utilizam, na sua maioria, carretas de 5 e 6 eixos (18,60m ou mais), além de veículos com 9 e 10 eixos condicionados à licença do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) para tráfego, em razão de restrição da rodovia, e informaram que o resultado de um laudo pericial contratado por eles constatou que “o grau de inclinação da pista de acesso impede a subida para acessar a Avenida São Roque e obrigam que seja feito um retorno de 500m e 600m à frente”, o que também não seria suficiente, “pois as rotatórias também são angulares e a inclinação novamente é um obstáculo, ocasionando riscos de acidentes” como o tombamento de caminhões. Segundo o estudo, as dificuldades ocorrem nas rotatórias de acesso ao túnel, em todos os sentidos da BR-470.
Para a Galmarc, empresa responsável pela elaboração do projeto original do túnel, que garantiu que o trabalho foi elaborado seguindo as normas técnicas do DNIT e adaptado para região montanhosa, há limitações topográficas que “impedem algo como se fosse um trevo perfeito, que admita todos os movimentos e tipos de veículos possíveis”. Segundo o responsável pela empresa, a localização da obra situa-se num “ponto entre morros e com espaço bastante restrito, dificultado pela existência de casas irregulares construídas nas margens da rodovia”.
O Ipurb informou ao MP que já foram realizadas algumas alterações no projeto original, mesmo sem a concordância do projetista, alargando as alças de entrada e saída para o túnel, e que essas modificações permitiriam o trânsito regular de ônibus rodoviários e caminhões alongados e adaptados. Para os técnicos do instituto, os únicos veículos que não passam pelo local, de forma alguma, nem mesmo com o retorno, são os bitrem acima de 21 metros de comprimento. “A alternativa para esses veículos na saída do bairro São João para o acesso a Veranópolis seria andar aproximadamente cinco km a mais para chegar até a rótula do pórtico para o outro retorno”.
A Galmarc afirmou que foi contrária às alterações promovidas pelo município no projeto porque “a ampliação das alças pode ocasionar elevação do número de acidentes, uma vez que veículos menores podem transitar ao lado de veículos maiores, não sendo visualizados pelos últimos, quando da realização das manobras, porque há tendência de tráfego paralelo”. Mesmo assim, as alterações foram feitas.
Para outra questão analisada pelo inquérito civil do MP, a manobra em “X” exigida para acessar o posto de combustíveis nas imediações do túnel, não foram apresentadas alternativas de projeto: tanto a Galmarc quanto a prefeitura indicaram que a orientação do tráfego será realizada mediante um projeto eficiente de sinalização, com a definição de prioridades de acesso.
Além disso, a prefeitura afirmou que está sob análise do DNIT um projeto de construção de uma rotatória localizada próximo ao acesso do bairro Maria Goretti, que poderá ser adequada para ampliação do ângulo, de modo a permitir o trânsito de caminhões acima de 7 eixos, o que “atenderia plenamente a demanda dos reclamantes, possibilitando o retorno neste local, em menor distância de deslocamento”.
Agora, a prefeitura deve realizar novas simulações de tráfego para testar manobras no local com um caminhão de 17,6m de comprimento, que poderão indicar novas adaptações que se façam necessárias, como a “movimentação do cordão para ampliar ainda mais a faixa/ângulo”, o que exigirá novas adaptações ao projeto original. Além disso, a medição e o levantamento de como ficarão as alças de acesso da rotatória também estão previstas.
Essas orientações fazem parte do inquérito civil aberto em 2021 a partir do laudo técnico assinado pelo engenheiro Carlos Eugênio Gama Merck, contratado pelas empresas e apresentado em novembro de 2020 ao MP, que indicaram que veículos longos enfrentariam dificuldades de circulação no local, avançando sobre os meios-fios e enfrentando problemas para vencer a rampa de acesso à avenida Alvi-azul. A observação foi apresentada à época ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb), que teria ignorado as recomendações. A partir disso, representantes de empresas situadas no entorno da obra e no Bairro São João procuraram o MP, que instaurou, em novembro do ano passado, um inquérito para averiguar os fatos.
A prefeitura informou também que, apesar da conclusão da obra estar prevista para um prazo de dois meses, “não há como precisar se esse prazo será cumprido, pois as obras estão atrasadas e a empresa vem retardando longamente a conclusão”.
Problemas recorrentes
A construção do túnel enfrenta problemas desde antes do início das obras, e já custa mais de 40% acima do valor original orçado para sua execução, cuja expectativa de conclusão está atrasada há cerca de um ano. A novela que envolve a obra se arrasta desde a publicação do primeiro edital, em 2019, ainda no governo de Guilherme Pasin, e não se sabe quando irá terminar, envolvida em atrasos, problemas no projeto e recorrentes aumentos de preço e ampliações de prazo.
Os problemas iniciam naquele ano, quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE) intervém para reduzir o valor original da obra, projetada para custar cerca de R$ 12,3 milhões, para R$ 9,6 milhões. Atualmente, o custo total da construção já acrescentou mais de R$ 4 milhões ao valor acordado com o TCE, e está orçada em R$ 13,6 milhões. Um dos apontamentos do TCE indicou problemas graves no projeto da obra e na condução da concorrência para a contratação da empresa que iria executar a obra, vencida pelo Consórcio Túnel Bento Gonçalves, formado pelas empresas Engedal, com sede em Santa Catarina, e Continental, do Rio de Janeiro.
Na ocasião, o tribunal de contas já havia indicado a existência de uma série de inconsistências no que chamou de deficiências do projeto básico: a licitação ocorreu sem a emissão da licença de instalação e sem o licenciamento ambiental; não há projeto de pavimentação; o projeto de terraplanagem possui seções transversais ininteligíveis; incerteza quanto à necessidade de execução de serviços, além da existência de sobrepreço de alguns itens e procedimentos em até R$ 2,4 milhões. Os apontamentos indicaram que o governo Pasin devolvesse R$ 1.7 milhão referente ao segundo desembolso efetuado pelo governo federal, porque não conseguiu comprovar o cumprimento do cronograma contratual.
Mesmo assim, um ano depois, representantes de empresas da região questionaram as definições técnicas do projeto original, apontando principalmente a impossibilidade do tráfego de caminhões pesados e as dificuldades de acesso ao posto de combustíveis localizado ao lado das obras. Eles denunciaram os problemas em setembro de 2020, afirmando que as obras “não atendem às necessidades do posto, dos caminhoneiros, das empresas e da comunidade”.