
A Associação Cultural e Esportiva São Vicente se prepara para brilhar no desfile das escolas de samba de Caxias do Sul deste ano, trazendo à avenida o samba-enredo “O quilombo que nunca se calou”, que resgata a história e a luta da comunidade local. O desfile acontecerá no próximo sábado (08), na rua Plácido de Castro, às 20h, e promete emocionar com uma forte mensagem de resistência e identidade cultural.
Histórico
A São Vicente iniciou suas atividades em 2007, fundada pela família da atual presidente, Carla Borges, a partir de um desejo de criar um grupo cultural em um local onde não havia nenhum. A agremiação criou suas raízes na comunidade de São Vicente, localizada no complexo Jardelino Ramos. Carla recorda que, no início, os moradores da região mostraram certa resistência à ideia de uma escola de samba. No entanto, com o passar do tempo, a São Vicente começou a despertar o interesse da comunidade, atraindo cada vez mais pessoas que buscavam informações e demonstravam vontade de participar das suas atividades.
Com a primeira apresentação, em 2007, ainda como bloco carnavalesco, a agremiação levou para a avenida o tema “Mãe Iara”. O desfile garantiu a subida da escola para o Grupo Especial, e desde então segue desfilando pela categoria.
“Nunca caímos. E sempre levamos a sério, sabe? Fizemos almoço, janta, fizemos muito evento aqui na comunidade, através da escola. A gente nunca para”, conta Carla.
Ao lado da presidente, o diretor de carnaval da escola, Elvino Santos, também relembra o desfile de 2016, no qual a São Vicente foi consagrada vice-campeã daquele ano. Na ocasião, os destaques da apresentação foram a harmonia e a bateria da escola.
Enredo
No desfile deste ano, a São Vicente leva para a avenida o tema “O quilombo que nunca se calou”, destacando a história da região da comunidade São Vicente, popularmente conhecida como Burgo, reconhecida, segundo Elvino, como o primeiro quilombo urbano do Brasil. Trata-se de um enredo profundamente relacionado com a história da população negra da cidade, bem como de sua luta por espaço e direitos, além da influência da comunidade na cultura e na formação do município. A escola busca valorizar essa identidade e dar visibilidade a esse lado da história de Caxias do Sul.
“Por muitos anos, o São Vicente foi um bairro que as casas não tinham cor. Bem aquela característica até do interior misturado com esse quilombo urbano. E é uma história que não é conhecida em Caxias. Por isso o nosso tema, porque é uma história de luta dessa população”, destaca Elvino.
A história do quilombo urbano de São Vicente está diretamente ligada ao surgimento do bairro Beltrão de Queiroz e à ocupação de outras áreas populares de Caxias do Sul. No percurso entre essas regiões, destacam-se pontos históricos como o Clube Gaúcho, tradicional espaço da comunidade negra. Esse trajeto, conhecido como o “corredor da negritude”, mantém até hoje a forte presença da população negra, estendendo-se até o Cinquentenário II.
O samba-enredo foi composto por Ricardo Camargo e Marcel da Cohab. A expectativa é que a obra seja bem recebida pelo público geral, assim como foi pela comunidade do São Vicente.
Em relação à ala das baianas, Carla e Elvino não escondem o orgulho com o resultado das fantasias:
“As nossas baianas vão vir um luxo só. O que tinha de material a gente reciclou, mas nesse ano é 90% tudo material novo”, comemora Elvino.
Desafios
O principal obstáculo enfrentado pela escola é a falta de um espaço físico próprio. Hoje, os ensaios e a confecção das fantasias ocorrem na rua ou em locais emprestados. Há um terreno destinado à escola desde 2008, mas o projeto ainda aguarda aprovação da prefeitura. A comunidade e a diretoria seguem lutando para conquistar esse espaço, que serviria não apenas para o Carnaval, mas como um centro cultural ativo o ano inteiro.
“Imagina, a escola vai completar 20 anos. A gente nunca teve nenhum espaço. Não tem onde colocar as coisas. Tem que dividir de casa em casa. Não tem onde fazer um ensaio. Tem que fazer na rua se estiver chovendo. Ou continua, ou para. Isso vai muito das pessoas também te acolherem para algumas coisas. Se não acolhe, não tem como”, lamenta Carla.
Elvino também destaca que as atividades da São Vicente não são limitadas apenas ao carnaval. A escola realiza eventos como oficinas e almoços comunitários organizados ao longo do ano, que contam com grande engajamento da comunidade.
Comunidade
A Associação Cultural e Esportiva São Vicente se tornou um pilar cultural na comunidade, promovendo ações que vão além do tradicional desfile de carnaval. O destaque vai para o projeto Em Busca do Conhecimento, que promove oficinas de atividades como dança, percussão, capoeira e cavaquinho, criando oportunidades para crianças e jovens da comunidade. Além disso, eventos como festas de Natal, celebrações para o Dia das Crianças e almoços comunitários fortalecem o vínculo entre os moradores.
Otimistas em relação ao desfile deste ano, os dirigentes da São Vicente projetam cerca de 300 componentes na avenida, refletindo o engajamento da comunidade com o evento. Essa participação é um dos pilares da escola, que envolve centenas de moradores nas atividades e no desfile. O envolvimento vai desde a confecção de fantasias até o trabalho voluntário na organização dos eventos. Durante o carnaval, o bairro se transforma, com famílias acompanhando os ensaios e contribuindo ativamente para a realização da festa.
Mesmo durante os anos sem desfile oficial na cidade, a São Vicente seguiu promovendo o carnaval, em um evento que ficou conhecido como “Carnaval da Resistência”. A escola mantém viva a tradição do samba com um desfile que atravessa a madrugada, iniciando às cinco da tarde e encerrando apenas ao amanhecer. O evento, realizado no coração do São Vicente, atrai moradores e visitantes, que participam ativamente, trazendo churrasqueiras para as ruas e vibrando com cada apresentação.
“Isso é uma coisa para relatar o apego que as pessoas têm com essa cultura do carnaval e a tranquilidade que é lidar com a comunidade aqui”, completa Elvino.
Serviço
O quê: Desfile da Associação Cultural e Esportiva São Vicente
Tema: “O quilombo que nunca se calou”
Quando: Sábado, 08 de fevereiro de 2025, às 20h
Onde: Rua Plácido de Castro, Caxias do Sul
Entrada: Gratuita