Meu marido, há anos, sem ter qualquer formação jurídica, diz, de forma recorrente, que, no Brasil, fazem leis para cumprir leis e eu não posso ignorar a sabedoria intrínseca desse pensamento.
A última vez em que o assunto esteve em pauta aqui em casa foi na virada do ano, porque, como ocorre sempre, meus filhos peludos, como outros tantos, sofrem com os fogos de artifício e os shows de pirotecnia para comemorar a chegada do novo ciclo. Até falei sobre isso na minha participação no Jornal da Manhã da Radio Jovem Pan da Serra, às segundas-feiras, pela manhã (7h30min), abordando, também, a questão do lixo deixado à beira mar pelas pessoas que vão lá comemorar a virada do ano, coisa que, infelizmente, não ocorre só no litoral do Rio Grande do Sul, mas, também, Brasil a fora… mundo a fora.
Sobre os fogos artificiais e os foguetes (nunca gastei um só centavo com isso), eu não fiz uma crítica apenas no contexto de uma recessão; de tempos em que falta comida na mesa de tantos brasileiros e remédios para tanta gente doente, mas, falei especialmente sobre os malefícios que isso representa para os animais.
Aqui em casa, todo Réveillon é a mesma cena: acalmar os meus dois cãezinhos que ficam desesperados com o barulho dos foguetes e fogos: a Themis tem medo e quer colo, porque precisa se sentir protegida; já o Sherlock tem pavor; se treme todo, chora e parece que entrará em colapso. Não sei se um dia isso não acontecerá.
E sempre que temos essa experiência, Fernando, meu marido, sai com a mesma interjeição ou questionamento: “Mas não tem lei que proíbe isso?” E eu respondo a mesma coisa: “Tem. Mas quem fiscaliza a infringência dela? Há contingente de fiscais para dar conta de todos os casos de descumprimento da lei, seja no ano novo seja em outros dias? A resposta é: não!
Hans Kelsen, jurista austríaco considerado o pai do positivo jurídico (direito escrito, posto ou convencionado) pretendeu definir o direito como um sistema fechado e hierarquizado de normas jurídicas, afirmando que aquilo que as diferencia das demais normas é a sua coercitividade, ou seja, a possibilidade de o Estado impô-lo por meio da força, se necessário for.
Para mim (e mais alguns ou muitos), isso é um mito: se não houver uma consciência do dever que nossa dimensão social nos impõe e de que coexistimos neste Planeta, em nossa Gaia, nossa casa comum, com outros seres vivos, não há lei ou coerção suficientes para impelir comportamentos humanos desastrosos. Sem consciência, sem educação, a lei pode nada por si só. Nenhum Estado daria conta disso.
E, no caso dos fogos de artifício, não sei por que, embora a natureza (e outros seres vivos) pré-exista ao homem em torno de três bilhões de anos, em algum momento, o ser humano decidiu que tudo que está em seu entorno é para sua imediata utilidade, comodidade ou felicidade, sem o mínimo respeito por outras formas de vida. A pobre criatura (que não é o Criador) se esqueceu que a natureza não se protege, mas se vinga.
Hans Kelsen, “Quid legis sine moribus? (o que são as leis sem o costume de obedecê-las?) Vai confiando só na fiscalização, sem educação, para ver onde vamos parar…Sustento com veemência que nossa consciência é muito mais coercitiva a comportamentos corretos que qualquer lei que os homens possam simplesmente criar e não respeitar.