Mais uma etapa do processo administrativo de cassação, movido contra o mandato do vereador Sandro Fantinel (sem partido), foi concluída, na tarde desta quarta-feira (19), na Câmara Municipal de Caxias do Sul. A audição do parlamentar encerrou as oitivas, iniciadas na última sexta-feira (14), com a participação, ao todo, de nove testemunhas, mais a informante Candida Luciane Fantinel, que é casada com o vereador há mais de 20 anos.
No âmbito do Legislativo, Fantinel é acusado de quebra de decoro parlamentar por proferir, durante sessão ordinária do dia 28 de fevereiro, falas racistas contra baianos, ao tratar do caso de trabalho similar à escravidão deflagrado em Bento Gonçalves. Também está inclusa na denúncia a afirmação, sem provas, do vereador, em plenária, no dia 17 de novembro de 2022, de que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) teria “participado de orgia com crianças”.
A oitiva, que durou pouco mais de duas horas, começou com a audição de Candida, que foi indagada pelos advogados de defesa, Moser de Góis e Vinicius de Figueredo, e pelos membros da Comissão Processante, relator Edi Carlos (PSB) e vogal Felipe Gremelmaier (MDB). A presidente do grupo, Tatiane Frizzo (PSDB), conduziu os trabalhos.
A esposa de Fantinel demonstrou nervosismo durante o depoimento. Detalhou sua relação com o parlamentar, e o defendeu de acusações de racismo e preconceito. Candida também relatou ameaças, que ela e seus familiares teriam sofrido nas redes sociais, e contou que teve medo de sair de casa após o ocorrido.
“Eu vejo o Sandro como um emocionado. Ele é um emocionado mesmo. É uma pessoa que faz tudo por ti. Ele é o homem que eu mais admiro na Terra”, disse.
Em seguida, Sandro Fantinel foi ouvido. O parlamentar voltou a enfatizar seu arrependimento pelo discurso sobre o povo baiano na tribuna, e a pedir desculpas. Explicou que, na ocasião, após utilizar o espaço do grande expediente, solicitou que a manifestação fosse removida dos registros da Câmara, e que se retratou mais tarde, ainda durante a sessão.
“Eu errei? Sim, eu errei. E o mais estranho é que nem eu entendo por que eu errei. Por que durante a minha fala, naquele vídeo, se todos vocês voltarem a fita pra trás, no início, até aquelas palavras infelizes, eu proferi que era contra isso aí. Justamente contra aquilo que eu falei no final. Pra vocês verem o que acontece com a mente da gente no momento que tu está fazendo uma fala e tu te perde. […] São coisas que acontecem com a gente. Principalmente com pessoas que nem eu, que tem um caráter emocionado, emotivo”, afirmou.
O vereador acusado também mencionou que foi atacado nas redes sociais por conta do ocorrido. Segundo Fantinel, 476 perfis que o ameaçaram, inclusive de morte, foram bloqueados. Recordou que sua esposa, Candida, precisou ser hospitalizada e que sua mãe teve dois princípios de infarto.
“Eu recebia uma média de um ataque a cada 30, 40 segundos. Dois ataques por minuto”, salientou.
Fantinel falou, na oportunidade, de projetos que integra, como o Agro Fraterno, que destina alimentos à famílias em vulnerabilidade social. Ao contar sobre sua vida, relembrou de sua infância, quando começou a trabalhar aos 8 anos e, aos 18, saiu de casa. Também levou ao depoimento que gerenciou uma empresa de construção civil e que nunca houve processos trabalhistas movidos contra si.
“Com 20 e poucos anos, no dia 12 de abril de 1992, eu botei uma trouxa nas costas e fui embora para um outro continente, onde fui discriminado, não compreendido. Aonde, quando eu trabalhava dentro dos túneis de esgoto, carregando cano de concreto nas costas, os italianos lá em cima cuspiam pra baixo e diziam ‘olha os brasileiros que vieram matar a fome’. Meu pai e minha mãe estavam em uma situação econômica difícil, e eu suportei, para mandar o dinheiro todo mês, para que eles pudessem ter uma vida digna, ir no médico e se cuidar”, revelou o parlamentar.
O vereador Edi Carlos questionou sobre as acusações, sem provas, ditas por Fantinel contra ministro do STF.
“Eu tinha ouvido falar na rua esse assunto. Eu nem sequer vi nada em internet, em lugar nenhum”, respondeu o parlamentar, admitindo que verificou que se tratava de uma notícia falsa.
Já Felipe Gremelmaier perguntou, a partir do relato de Fantinel durante a oitiva de que teria sofrido preconceito no período que morou na Itália, “se o senhor conseguiu se colocar no lugar das pessoas [povo baiano] que ouviam sua fala no momento”.
“Com certeza. Escutei só uma vez [as falas da tribuna] depois de uma semana mais ou menos que tinha acontecido o fato, foi que consegui ir lá e escutar de novo aquilo. Foi aonde me motivou ter esse total arrependimento do que aconteceu. […] Foi um momento triste que, sinceramente, eu gostaria de poder esquecer”, pontuou o vereador acusado.
“O que aconteceu comigo transforma qualquer um. Não existe ser vivo neste mundo que passe pelo que eu passei, pelo que eu vi a minha família passando, que não transforme a pessoa, muitas vezes para pior, muitas vezes para melhor. […] Eu nunca tinha sido parlamentar, então eu julgo que o primeiro ano de mandato de uma pessoa que nunca teve um cargo político, ela comete vários erros, por que ela não tem noção”, explicou Sandro Fantinel à Tatiane Frizzo, após ser questionado sobre suposta recorrência de comentários inadequados, que incluem fala homofóbica contra o governador do Estado, Eduardo Leite.
Conforme a presidente da Comissão Processante, todas as oitivas ocorreram dentro do esperado, com responsabilidade e transparência, dentro dos prazos.
“Acho que hoje se deu um passo muito importante que é ouvir do próprio vereador, relatando a situação, o que aconteceu. A partir disso, de todos esses relatos, a gente vai juntar toda essa documentação, tudo o que foi produzido de material até agora, para exarar o parecer e, a partir do parecer, cada vereador vai se sentir a vontade para acompanhar o parecer ou ir contra, isso é uma decisão individual dos mandatários”, destacou Tatiane Frizzo, em coletiva de imprensa depois das oitivas desta quarta-feira.
Próximas etapas do processo de cassação contra Fantinel
1) Encerrada a instrução, o Vereador terá o prazo de 5 dias para apresentar razões escritas, a contar do momento em que a defesa receber as imagens, e falas taquigrafadas de todas as oitivas. A presidente prevê a entrega do material até terça-feira (25);
2) Depois da apresentação das razões escritas, a Comissão Processante deverá emitir parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento;
3) Na sessão de julgamento, serão lidas as peças que forem requeridas pelos Vereadores e Vereador. Os Vereadores poderão se manifestar pelo tempo máximo de 15 minutos cada um. O Vereador ou o seu Procurador terá o prazo máximo de 2 horas para produzir a sua defesa oral. Concluída a defesa, serão feitas tantas votações nominais quantas forem as infrações articuladas na denúncia. Considerar-se-á afastado, definitivamente, do cargo, o Vereador com o voto de dois terços (16) a favor da denúncia. Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará, imediatamente, o resultado e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato de Vereador. Se o resultado da votação for absolutório, o Presidente da Câmara determinará o arquivamento do processo. Em qualquer caso, é comunicado o resultado à Justiça Eleitoral.
Depoimentos desta quarta-feira na íntegra