
Não sei quando esta coluna será publicada. No momento em que a escrevo, estou em isolamento social, ficando em casa, só saindo, com máscaras e cuidados, quando essencialmente necessário, pois minha mãe, com quase 83 anos de idade, convive comigo. Seria mil vezes pior, pra mim, pegar a Covid e transmitir a ela. Por isso, jamais iria me perdoar. Preferiria a morte.
Ver tantas pessoas morrerem me remete um pouco ao Holocausto, embora, agora, levado a efeito por motivos e vias distintas daqueles que marcaram a 2.ª Grande Guerra, mas, sem dúvida, uma situação mundial, cujo agravamento teve, em larga escala, como causa remota ou subjacente, a politização da doença por extremismos que em nada contribuíram para minimização do caos, talvez porque este já esteja instalado. “A peste”, profetizou Albert Camus, nunca desapareceu completamente.
E viajando, em pensamento, pelas maiores atrocidades que a humanidade já enfrentou – e não duvidem que ainda as enfrentamos, não só pelo ambiente pandêmico, mas, também, pela barbárie que vivemos no Brasil, onde os índices de homicídios chegam aos níveis de guerra, muitos dos quais passam impunes, ou porque não se identifica a autoria do crime ou porque as penas aplicadas são simulacros de retribuição penal, sem senso mínimo de proporcionalidade nos crimes contra a vida -, vem-me à mente mais uma abordagem de Taiguara Fernandes, em um texto de seu perfil no Facebook, com um tema instigante: “o que é grandeza?”
Sem meias palavras e medo de errar, o autor do questionamento diz que grandeza é fazer as pequenas coisas que estão ao nosso alcance. Para exemplificar, ele traz à colação a história de vida da professora Natália Tulasiewicz, presa em Hanover, em 1944.
Segundo consta, Natália era polonesa e integrava uma organização secreta chamada “Ocidente” que, à sua vez, trabalhava para manter viva a chama do ânimo e da fé entre as pessoas condenadas a trabalhos forçados pelo Reich. Porém, antes disso, ela já participava da resistência polonesa ao nazismo, educando crianças, secretamente, em Cracóvia, onde ela ensinava as letras, os valores ocidentais e a fé cristã.
Certa vez, Natália recebeu de um padre um convite para entrar para a tal sociedade secreta, cuja intenção era a de levar um pouco de conforto para queles irmãos condenados na Alemanha e, um dia, quiçá, trazê-los de volta para casa. Ela não titubeou em aceitar o convite, vindo a trabalhar, de forma voluntária, para a “Ocidente” na própria Alemanha, ou seja, no covil nazista.
Tudo ia bem entre 1943 e 1944, até quando, por um descuido de um mensageiro, Natália e seus propósitos restaram descobertos, depois de uma investigação da Gestapo, ocasião em que a Polonesa foi presa, torturada e rapidamente condenada à morte. Na sexta-feira Santa de 1945, em sua grandeza, ela falou aos condenados pelo Regime Nazi sobre o Calvário de Cristo. Ao descer do caixote onde subiu para discursar, Natália foi encaminhada à câmara de gás.
Ironicamente, dois dias depois da execução Natália Tulasiewicz, o campo foi liberado. Todos foram libertados. Disseram, então, que a fumaça negra tornou branca a alma dela, e que “Nata” era o Evangelho vivo. Taiguara termina a postagem dizendo que entende que é assim que as pessoas grandes devem ser lembradas.
Certo. Concordo plenamente com a assertiva. Transportando, a questão da grandeza para o atual momento histórico, para onde nosso raciocínio deve se voltar? Aos profissionais da saúde, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, aos biomédicos e pesquisadores em geral, que fizeram muito mais que pequenas coisas: despreenderam-se de si próprios e de suas famílias, arriscando a própria vida, para irem para a linha de frente combater a pandemia. Esses, para mim, são portadores do que compreendo como grandeza. Muitos perderam a vida em meio ao caminho, mas mesmo estes sabiam, como eu disse outro dia, que a existência deles tem um propósito para muito além deles próprios.
Por isso, eles não foram apenas grandes: foram gigantes. Os que morreram sabiam e os que permanecem vivos, firmes no combate à pandemia, sabem que são a expressão da humanidade que compreendeu que não vive só para si, e que fazer a diferença, salvando vindas, não é profissão. É uma missão que lhes foi acometida por alguma força que alguns, como eu, insistem em chamar de “Criador”, “Deus” ou a própria “Transcendência”. É assim que devem ser lembrados e homenageados!