Um macaco viu um peixe na água e o tirou de lá, pensando que o estava salvado. O peixe morreu evidentemente. Mas isso nos mostra como é importante entendermos o mundo do outro, assim como as diversas perspectivas por meio das quais as coisas podem ser vistas e analisadas.
Com as ciências, isso não é diferente. Aliás, é importante compreendermos que elas conversam entre si, segundo uma compreensão de multidisciplinariedade, interdisciplinaridade e complementaridade.
Por exemplo, você sabia que a Pedofilia em si não é crime?
Pois é. Não é, embora seja um dos temas mais complexos da criminalidade cibernética. Recentemente, terminei de ler uma obra que, dentro dessa temática, sublinha que a pedofilia já foi tratada como “arte”, pelo escritor russo Vladimir Nabokov, no Romance “Lolita”, adiante adaptado para o cinema, envolvendo o desejo sexual de um adulto por uma menina de 12 anos.
Embora seja com esse nome que a pedofilia se popularizou, é bom ter em conta que, no âmbito jurídico, ela nada mais é do que a “pornografia infantil”, hoje objeto de todo tipo de comércio, especialmente, pelos meios informáticos, via internet e redes sociais.
Mas, sob o ponto de vista da Psiquiatria, a pedofilia em si mesma é tratada não como arte, nem como crime, mas como um “transtorno mental” reconhecido pelos principais manuais diagnósticos.
Ou seja, a pedofilia em si não é crime; é um quadro de psicopatologia, com critérios diagnósticos, e o indivíduo pode nunca chegar a cometer nenhum crime por controlar seus impulsos sexuais. O simples desejo não é figura penal ou modalidade delitiva.
Então, por mais que o senso comum tenha vontade de aplicar, sem mais, castração química ou ministrar no pedófilo uma “tunda de relho”, o desejo sexual de um adulto por uma criança não é punível pelo Direito Penal, pois o agente é tido como portador de uma desordem emocional, por mais nojento que isso possa parecer.
Mas, Doutora Silvia, a senhora está dizendo que a pedofilia é doença? Para a Medicina-Psiquiátrica, sim; já para o Direito Penal, a pedofilia só vai interessar quando o pedófilo, ainda que não pratique atos sexuais concretos com alguma criança, para satisfazer o seu desejo ou apetite sexual, passa do desejo para obtenção de imagens ou arquivos de áudio e/ou vídeo de pornografia infantil.
Para o mundo jurídico, a pedofilia é a obtenção, a aquisição, o fornecimento, o mero armazenamento, a circulação e o comércio desse material sexual envolvendo menores (crianças e adolescentes), conquanto tais registros contenham cenas de sexo explícito ou pornografia em si; são esses os aspectos do comportamento humano que o Direito Penal visa a coibir com os tipos penais dos artigos 241-A a 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (o ECA).
Em conclusão, embora “pedofilia” tenha sigo incorporada como crime pela linguagem do Direito, do ponto de vista médico, ela é catalogada como doença pelo Manual Diagnóstico e Estratégico de Transtornos Mentais, prevista com o CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) – F65.447.
Então, isso quer dizer que abusadores infantis podem ou não ser pedófilos, pois eles não só abusam como podem ter atração sexual não apenas com crianças, mas por qualquer gênero humano e não se restringir ao ato sexual concreto.
A responsabilização criminal do pedófilo, por mais repugnante que seja seu apetite sexual, somente restará caracterizado quando um portador desse transtorno mental passar do apetite aos atos – que são intensamente praticados pela internet, especialmente via DeepNet (uma camada mais profunda da internet), ou seja, quando ele exteriorizar o seu desejo, vindo a consumar o crime de propagação de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes, vendendo, produzindo, adquirindo e até fazendo apenas “downloads” desse tipo de material, do que decorre que o pedófilo pode até sequer ter transtorno mental algum: basta que pratique algum ato de pornografia infantil, no que se inclui qualquer um dos verbos que caracterizam o crime nos termos dos dispositivos legais do ECA antes referidos.
Que resposta (ou cura) o transtorno da pedofilia pode comportar no âmbito da Medicina, eu já não sei. Mas, no Direito Penal, a pedofilia ou pornografia infantil é punível com pena privativa de liberdade. Se estas são efetivas? Bom, isso já é assunto para uma tese. Não dá para inseri-la em uma singela abordagem.