PREJUÍZO DE R$ 2 MI

Passaporte da fraude: Empresária da Serra Gaúcha é investigada por golpe milionário em contratos de cidadania italiana

Dossiê aponta prejuízo superior a R$ 2 milhões, uso de identidades falsas e indícios de fuga para o Maranhão

Foto: Unsplash / Reprodução
Foto: Unsplash / Reprodução

Serra Gaúcha - O sonho da cidadania italiana se transformou em pesadelo financeiro e judicial para centenas de famílias espalhadas por São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Tocantins e Goiás, e até para brasileiros que vivem no exterior, como nos Estados Unidos e na Austrália. O centro do esquema, segundo um dossiê elaborado pela defesa de um grupo de vítimas, seria Michele Scopel Reginatto, empresária responsável pela Scopel Cidadania Italiana, com sede em Antônio Prado, na Serra Gaúcha. Ela é investigada por estelionato e falsidade ideológica. Até o momento da postagem desta matéria, 27 boletins de ocorrência estavam anexados ao dossiê.

O prejuízo estimado até o momento ultrapassa R$ 2 milhões, valor que ainda pode aumentar, já que muitas vítimas desconhecem a extensão das perdas e outras podem ainda nem saber que foram lesadas. Famílias entravam com solicitações para diversos parentes, então o número total de atingidos pode chegar a centenas de pessoas.

O falso setor administrativo

Outro aspecto revelado pela apuração é o suposto uso de identidades falsas e nomes de terceiros para sustentar a aparência de uma equipe estruturada. Michele, de acordo com as denúncias, utilizava nomes fictícios de funcionários, como Márcia, Maria Eduarda e Fernanda, para responder mensagens e criar a sensação de um setor administrativo ativo. Além disso, utilizava indevidamente o nome de uma advogada italiana parceira, apresentando-a como responsável pelos trâmites na Europa.

Na prática, o dossiê aponta que todas as mensagens eram redigidas pela própria suspeita, que nunca teve funcionários registrados e cuja parceira italiana não mantinha contato direto com os clientes brasileiros. Essa estratégia reforçava a confiança das vítimas e dificultava a identificação imediata da fraude.

A falta de transparência

As evidências reunidas mostram que os pagamentos eram realizados integralmente e, em muitos casos, complementados com cobranças adicionais. A empresária mentia sobre supostas “taxas judiciais” que surgiam nos tribunais da Itália, alegando cobranças inexistentes e exigindo valores abusivos para a inclusão de documentos em processos que nunca chegaram a ser protocolados.

Famílias relatam perdas individuais que ultrapassam R$ 100 mil. Uma delas apresentou comprovantes de R$ 110 mil transferidos à conta pessoal de Michele, sem que o processo sequer fosse iniciado.

Além disso, a maioria dos clientes jamais recebeu nota fiscal pelos valores pagos, tampouco qualquer prestação de contas que comprovassem o andamento dos processos. Em diversos casos, mesmo após o pagamento integral, os processos nunca foram protocolados na Itália, embora a investigada afirmasse o contrário em mensagens e relatórios informais que nunca foram comprovados.

A falta de transparência financeira e processual indica que os valores foram recebidos sem que os serviços contratados fossem executados.

Falsas promessas, desculpas ensaiadas e ostentação

Para justificar os atrasos, Michele afirmava estar em reuniões com advogados, em visitas a consulados italianos ou em tribunais na Itália, na tentativa de criar um cenário de legitimidade e sustentar a narrativa de que os processos estariam em andamento.

Enquanto os clientes aguardavam respostas, a empresária ostentava viagens à Europa em suas redes sociais, com registros em hotéis, restaurantes e pontos turísticos. O dossiê indica que o dinheiro arrecadado era utilizada para custear despesas pessoais, passeios internacionais e sustentar um padrão de vida incompatível com a situação da empresa.

Golpe também usou tragédia das enchentes como justificativa

Segundo a advogada do grupo, a suspeita teria se aproveitado de momentos de crise pública para continuar arrecadando dinheiro.

Durante as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, ela pediu transferências via PIX a clientes, alegando que sua região estaria fortemente afetada, sem luz, água e internet, e que os valores seriam destinados a ajudar famílias desabrigadas.

Segundo os relatos, nenhum comprovante de repasse foi apresentado. Em um dos casos, a investigada chegou a usar um vídeo de alagamento pertencente a terceiros (gravado em outra cidade) para ilustrar um cenário em que seu escritório teria sido atingido pela enchente e, por isso, não retornava aos clientes nem recebia documentos.

Não há comprovação de que os valores arrecadados tenham sido destinados a campanhas oficiais de ajuda humanitária.

Fechou a empresa e fugiu

O golpe começou a ser desvendado quando surgiram reclamações no site Reclame Aqui, onde famílias de diferentes regiões relataram o mesmo padrão de engano. A partir dessas denúncias, as vítimas se organizaram em grupos virtuais, reuniram provas e apresentaram denúncias conjuntas e individuais ao Ministério Público e à Delegacia de Polícia de Antônio Prado.

Em abril de 2025, as atividades do escritório foram encerradas, todas as plataformas de contato (site, Instagram e WhatsApp) foram retiradas do ar e diversos clientes que tentaram contato foram bloqueados. Desde então, não apresentou defesa em nenhum processo judicial e já é considerada ré revel em algumas ações.

Documentos anexados ao inquérito indicam que a empresária abriu uma nova empresa de importação e exportação e planeja se mudar-se para o Chapadinha/MA, onde já teria adquirindo um imóvel.

Informações recentes apontam que Michele viajou com a família para o Maranhão nesta semana.

Vítimas cobram ação rápida das autoridades

As vítimas começaram a receber retorno da Delegacia de Polícia de Antônio Prado, que iniciou a coleta de contratos e comprovantes de pagamento para instruir o inquérito.
Até o momento, pelo menos 27 boletins de ocorrência foram registrados e anexados ao processo, número que pode ser ainda maior conforme novas denúncias são formalizadas.

Representantes do grupo de vítimas destacam que o coletivo reúne centenas de brasileiros no país e no exterior, todos com relatos semelhantes de pagamentos feitos e promessas não cumpridas.

O que dizem as autoridades

O caso está sob investigação da Delegacia de Polícia de Antônio Prado, após encaminhamento das denúncias pelo Ministério Público. O inquérito apura crimes de estelionato, falsidade ideológica e sonegação fiscal.

As vítimas aguardam o avanço das investigações e pedem o bloqueio imediato dos bens da empresária, para evitar novos prejuízos e garantir a restituição dos valores pagos.

Dicas para identificar golpes parecidos

Golpes envolvendo o reconhecimento da cidadania italiana têm se tornado frequentes. Especialistas recomendam atenção a alguns sinais de alerta:

  • Pagamentos via PIX para contas pessoais ou sem nota fiscal;
  • Cobranças de “taxas judiciais” ou valores extras, inexistentes em processos legítimos;
  • Ausência de contrato formal e de número de registro profissional;
  • Comunicação apenas por WhatsApp, sem escritório ou site ativo;
  • Promessas de prazos curtos ou valores muito abaixo da média.

Antes de contratar, é fundamental verificar o CNPJ da empresa, o registro profissional dos advogados e o histórico de reclamações em órgãos como o Procon e o Reclame Aqui.
Em caso de suspeita, o recomendado é registrar boletim de ocorrência e acionar o Ministério Público.