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Os botocudos no país do futebol

Os botocudos no país do futebol

Hoje começa mais uma Copa do Mundo de futebol, e, talvez uma raridade na Pindorama de verde e amarelo, pela primeira vez os brasileiros parecem que não tão nem aí pro desempenho canarinho.

E isso guarda uma série de explicações, e outras consequências, que podem ser boas e ruins ao mesmo tempo. Primeiro, porque, como dizia meu velho e sábio pai, futebol não dá camisa pra ninguém. A não ser, é claro, pra quem veste a camisa, mas isso é outra conversa.

Volta e meia, toda vez que uma copa se aproxima lá se via ouvir alguém dizer que o futebol é o ópio do povo e que torcer pela seleção é uma prova cabal de alienação e talicoisa. O blablablá não é exclusividade nossa e tampouco é coisa de agora. E isso, a história é pródiga em demonstrar.

É claro que, pro bem ou pro mal, governos em todos os tempos e lugares tentaram associar suas imagens ao futebol. O fascismo de Mussolini na Itália usou a Copa de 34 pra fazer propaganda do regime. A intensa propaganda que a ditadura militar brasileira fez do tri da seleção na Copa de 1970, vinculando o título ao anunciado “milagre econômico” dos sombrios tempos do presidente Médici, é talvez o nosso exemplo mais acabado desse fenômeno. A Copa de 1978, realizada na Argentina durante a sangrenta ditadura militar dos hermanos, os 6 a 0 da Argentina no Peru e as moedas jogadas em recepção aos peruanos desclassificados é outra em que essa relação ficou bastante evidenciada.

Por aqui, a coisa toda ganhou força com o Não vai ter Copa de 2014 e com a corrupção entranhada nas obras de estádios impagáveis em locais improváveis pra locupletar desejos de poder indizíveis. Também por isso, não há ruas pintadas de verde e amarelo, não tem musiquinha nova enlevando os feitos da amarelinha. Há quem diga que esse desinteresse é resultado da crise em que o país está atolado, da impopularidade do Temer, da falta de vínculo de muitos atletas com a torcida ou ainda reflexo tardio do traumático 7 a 1 pra Alemanha em 2014.

Mas, pra além dos motivos e teses acadêmicas, é bem saudável que o futebol despenque na galeria das prioridades do brasileiro, e também é verdadeiro que é extremamente positivo entender que o futebol está longe de ser uma diversão alienante da política do pão e circo. Não foi o tri no México que prolongou o regime militar, mas os tanques, a censura e a repressão. Assim como comemorar um gol da seleção hoje não quer dizer que está tudo bem no país dos botocudos de chuteira.

O grito de gol não pode calar a voz dos protestos, da indignação com a corrupção, das queixas da crise, da repulsa à CBF. Porque um não exclui o outro. O fato é que há uma lição ainda a ser aprendida. Porque um gol de Neymar não vai amenizar o desemprego, falta de vergonha da corrupção, a crise ética; e nem a conquista do hexa terá o poder de nos tirar da crise, assim como a derrota não nos impelirá ao fundo do poço.

Então, vamos combinar assim: se você quiser torcer, vestir a camisa da seleção, fazer festa na rua pela vitória ou mesmo chorar as derrotas, sem problemas. Torça, vista, festeje e chore. É só futebol, e o que importa mesmo é bola na rede. Na vida real, não. Na vida real, um gol contra é muito mais do que perder um campeonato.