Opinião

O paradoxo do dever alimentar entre os cônjuges

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Quero abordar aqui, mais detidamente, matéria sobre a qual rapidamente escrevi em outro meio de comunicação, tema com o qual tenho atuado muito fortemente como advogada: a questão dos alimentos devidos ao ex-cônjuge e ex-companheiros ao término da relação marital ou de união estável.

Li outro dia um julgado que dizia: “Ex-cônjuge não é órgão previdenciário e, por isso, não tem o dever de pagar benefícios relacionados à saúde.” Esse entendimento veio expresso em decisão proferida em uma ação de divórcio, sendo da lavra do Juízo da 2ª Vara Cível de Cabo de Santo Agostinho (PE), em que o Magistrado negou pedido de uma mulher para que seu ex-marido lhe pagasse pensão.

Nem o fato de a mulher estar acometida de doença autoimune serviu como argumento para amparar e dar guarida ao pedido dela. No caso específico, a mulher até retornou ao trabalho, mas alegava que a remuneração que agora recebia era insuficiente para custear sua sobrevivência. Fico imaginando o que aquele Juiz diria se se tratasse de uma mulher jovem, sadia, em plena capacidade laboral e em melhores condições de saúde até que o ex-marido para trabalhar.

É que algumas – cá entre nós – não querem o marido, mas querem ser feliz com a grana ou o dinheiro que ele tem e já tinha antes do casamento (isso quando este não foi o próprio mote determinante da união, “um amor sem fim” (risos). Isso não é raro, vamos convir. O golpe da barriga não está tão “démodé” assim. Algumas mulheres acham que ex-marido precisa inclusive manter o “padrão” de vida que elas tinham antes da separação. Mais. Querem separar corpos sem perdas, exceto o marido.

Nunca posei de “mandame”. Trabalho desde os meus 15 anos de idade e dei litros de suor para construir, de verdade, com o meu marido, cada conquista na vida. Nada veio de graça, nem o pão nem a cachaça. Mas penso que não deve ser ruim vida de “madame”, especialmente quando não se sabe o custo pessoal que isso deve ter para outrem que não tenha nascido em berço esplêndido.

Vejo, porém, que há casos e casos. Disso não se duvide. Cada um deles tem as suas particularidades. Observem as situações em que mulheres foram proibidas de trabalhar (não estimuladas), na relação, longo de toda a sua existência, jamais tendo acesso a qualquer formação profissional que, muitas vezes, na terceira idade ou próximo dela, são dispensadas como objetos sem valor, isso quando o tempo já não ajuda ou já não viabiliza uma inserção (ou reinserção) no mercado de trabalho (coisa muito diferente de quem nunca tenha querido, podendo, trabalhar e tem até ojeriza do trabalho).

Pois situações diferentes reclamam, do Direito, tratamentos jurídico distintos, é bom lembrar. É por isso que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a prestação de alimentos entre ex-cônjuges possui caráter “excepcional”, “transitório” e “de apoio”, ou seja, subsidiário, e não substitutivo do dever de a pessoa, maior, saudável, capaz, no dever de prover sua própria subsistência. Essa última hipótese estaria na contramão da dignidade humana, pois o primeiro dever do ser humano é para consigo mesmo: trabalhar, sustentar-se e viver do fruto de seu trabalho.

“Ex”, ademais, seja de que gênero for, se, de um lado, não é lixo, também não é banco, e não tem a obrigação de arcar com o custo de viver do outro, e muito menos o padrão de vida antes mantido na relação. Afinal, como diria a minha mãe, “ninguém é pai de cascudo”. A solidariedade não pode ir ao pondo de um tomar o outro para bobo.

Também é por isso que, excepcionalmente, a regra geral comporta exceções, isto é, nas hipóteses em que um dos cônjuges não detenha mais condições de reinserção no mercado de trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira. Daí uma transitoriedade numa ajuda complementar, o que parece incompreendido por muitos, seja por não conhecer o fundamento jurídico dessa ajuda, seja por exploração costumeira, seja por falta de vergonha ou tudo junto.