COLUNA

O novo normal chegou

O novo normal climático chegou ao Brasil, e nossas cidades ainda estão vestindo roupas do clima antigo.

Tempestade no mar com raios, ondas quebrando na praia e céu escuro.
Imagem: Freepik

Esta semana, as manchetes trouxeram uma realidade que muitos ainda insistem em tratar como exceção: tornado confirmado em Santa Catarina, casas literalmente arrancadas do chão pelo vento, estragos generalizados em São Paulo. Enquanto leio essas notícias, uma frase ecoa em minha mente: “Eu já disse aqui que precisamos preparar as cidades para os desastres“. E me pergunto: quantas vezes mais vamos precisar repetir isso até que saia do papel?

O tornado que devastou parte de Santa Catarina não é um fenômeno isolado, uma curiosidade meteorológica que podemos arquivar como “coisa rara”. É um sinal claro de que o novo normal climático chegou ao Brasil, e nossas cidades ainda estão vestindo roupas do clima antigo.

Quando a Natureza Reescreve as Regras

Lembro-me de quando falávamos sobre tornados como algo “que só acontece nos Estados Unidos”. Era quase folclórico imaginar essas colunas de vento destruidoras percorrendo o interior brasileiro. Hoje, essa conversa soa ingênua, quase nostálgica. A realidade climática não pediu nossa permissão para mudar – ela simplesmente mudou.

Ver as imagens de casas arrancadas do chão em Santa Catarina me fez pensar em quantas outras famílias acordaram naquela manhã sem imaginar que, ao final do dia, não teriam mais um lar. Não por escolha, não por mudança, mas porque a força da natureza decidiu reescrever a geografia do lugar onde viviam.

E em São Paulo, os ventos fortes de 98km/h causaram estragos generalizados nos lembram que nem mesmo as grandes metrópoles estão imunes. Árvores centenárias caindo, estruturas urbanas cedendo, o caos se instalando em questão de minutos. A cidade que nunca para foi obrigada a parar pela força do vento.

O que mais me incomoda não são os fenômenos em si – afinal, não podemos controlar o clima. O que me angustia é nossa persistente falta de preparação. Continuamos construindo cidades como se o clima fosse uma constante, como se pudéssemos contar eternamente com a previsibilidade meteorológica que nossos avós conheceram.

Nossas redes elétricas ainda são projetadas para ventos “normais”. Nossos sistemas de drenagem ainda calculam chuvas “históricas”. Nossos códigos de construção ainda seguem padrões de um Brasil climático que não existe mais. Estamos jogando um jogo novo com regras antigas, e perdendo feio.

Quando um tornado arranca casas do chão, não é apenas a força do vento que está em questão – é a fragilidade de estruturas que não foram pensadas para resistir ao que o clima de hoje pode entregar. Quando ventos “comuns” causam estragos generalizados em São Paulo, não é apenas sobre meteorologia – é sobre infraestrutura urbana que não acompanhou a evolução climática.

As lições que insistimos em não aprender

Cada desastre climático deveria ser uma aula prática sobre adaptação. Cada vento forte, cada tempestade severa, cada evento extremo deveria nos ensinar algo sobre como construir cidades mais resilientes. Mas parece que somos alunos relapsos, que preferem colar na prova a estudar a matéria.

Depois das enchentes no Rio Grande do Sul, falamos muito sobre reconstrução. Mas reconstrução como? Igual ao que estava antes, para que o próximo evento extremo cause os mesmos estragos? Ou reconstrução inteligente, que aprende com o desastre e se prepara para o próximo?

A pergunta não é se haverá um próximo evento extremo – é quando ele acontecerá e se estaremos preparados.

O que significa preparar uma cidade

Preparar uma cidade para o novo normal climático não é apenas uma questão técnica – é uma mudança de mentalidade. Significa:

Repensar a Infraestrutura: Redes elétricas subterrâneas em áreas críticas, sistemas de drenagem superdimensionados, construções que resistem a ventos mais fortes.

Planejar com a Natureza: Preservar áreas verdes que funcionam como amortecedores naturais, respeitar planícies de inundação, criar corredores de vento que não se transformem em túneis de destruição.

Educar a População: Sistemas de alerta eficientes, protocolos de emergência conhecidos por todos, cultura de preparação que vai além do “torcer para não acontecer”.

Investir em Prevenção: Porque é sempre mais barato prevenir do que reconstruir. Sempre.

A conta que não para de chegar

Cada casa arrancada pelo vento em Santa Catarina representa uma família que perdeu não apenas bens materiais, mas memórias, segurança, a sensação de que “em casa estamos protegidos”. Cada árvore que cai em São Paulo é um lembrete de que nossa infraestrutura urbana ainda é vulnerável demais.

E a conta dessas vulnerabilidades não para de chegar. Em vidas perdidas, em prejuízos econômicos, em traumas psicológicos, em confiança abalada. O custo de não se preparar para o novo normal é sempre maior que o investimento em adaptação.

Um convite para a ação

Não podemos mais fingir que eventos climáticos extremos são exceções. O tornado em Santa Catarina, os ventos destrutivos em São Paulo, as enchentes no Rio Grande do Sul – tudo isso faz parte de um padrão que veio para ficar.

A pergunta que fica é: vamos continuar sendo surpreendidos pelo que já sabemos que vai acontecer, ou vamos finalmente nos preparar para o novo normal?

Porque preparar nossas cidades para os desastres não é pessimismo – é realismo. Não é aceitar a derrota – é se equipar para a luta. Não é desistir do futuro – é construí-lo de forma mais inteligente.

O novo normal climático chegou. A questão é: quando nossas cidades vão se atualizar para essa nova realidade?

Cada tornado que passa, cada vento que destrói, cada chuva que alaga é um lembrete de que não temos mais tempo para procrastinar. A natureza não vai esperar nossas cidades ficarem prontas. Ela já está aqui, reescrevendo as regras do jogo.

E nós? Quando vamos aprender a jogar?