A morte de uma criança dá vontade de devolver ao universo o bilhete de entrada. A frase é do romancista russo Dostoiévski, publicada em seu memorável livro Os irmãos Karamazov e foi escrita há mais de 150 anos. Mas é exatamente assim que a gente está se sentindo hoje depois do trágico desfecho do desaparecimento da menina Naiara Soares Gomes em Caxias do Sul.
Ontem, ficamos conhecendo todo o horror do destino trágico da menina que já havia vivido a separação do pai morto e da mãe que não estava perto, a vida abreviada por uma violência indizível e monstruosa, mas que, infelizmente, está sempre próxima de nós, a subverter o tempo das coisas para nos fazer chorar mais uma vez a morte de uma criança.
E esse choro pela morte de uma criança inocente é o choro de um tempo subvertido pela violência, um choro que não vale todo o desenvolvimento do mundo. Porque a morte de uma criança inocente é uma aberração inominável, inexplicável e imperdoável.
Eu jamais me perdoarei porque Naiara jamais chegará à escola para onde estava indo quando foi arrancada de nós impiedosamente. Hoje, o corpo da menina se cobre de flores para nos lembrar que ela não foi a primeira e não será a última a burlar dramaticamente a lógica da vida.
Hoje, choramos todos a morte da menina Naiara, mas é preciso lembrar que não é de hoje que crianças e os adolescentes têm sido alvo de muitos crimes em nosso país e em todo o mundo. A violência contra a criança é uma realidade terrível a nos cobrar ações eficazes para a proteção da vida de inocentes que, ao fim e ao cabo, representam a nossa possibilidade de um futuro melhor.
Porque, quando morre uma criança, é o ciclo da vida que se rompe. Nada é mais antinatural do que pais que enterram filhos, nada abala tanto o próprio sentido da existência. Por isso é tão urgente a identificação dos responsáveis e a punição dos covardes como o monstro preso ontem em Caxias.
O Unicef mostra que, a cada 7 minutos, uma criança como Naiara morre vítima de violência no mundo. E com ela morre um pouco de cada um de nós, morre a inocência e morre o nosso futuro.
E depois disso eu penso que o universo talvez seja mesmo um lar para a humanidade, e não apenas um espaço de um tempo cruel em que o destino trágico de uma criança de sete anos não nos afeta mais.
Hoje, a nossa inocência morreu. Hoje, eu devolvo o meu bilhete de entrada.