
Enquanto exerci a função pública de Promotora de Justiça, nunca me defrontei, ao menos não sob o ponto de vista técnico, com um “serial killer” (matador em série). O mais próximo disso que cheguei foi levar a Júri um Assassino de duas mulheres, em sequência, com o mesmo “modus operandi”: encontrou as vítimas, aleatoriamente, em lugares públicos de dança e, a pretexto de lhes dar uma carona para casa, as matou e jogou seus corpos na Barragem da Maestra, em Caxias do Sul. Era um “aspirante” de “serial” portanto. Condenado, cumpre pena.
Não que eles não existam no Brasil. Sabemos e já ouvimos que sim. Recordo-me, rapidamente, para ficar em poucos exemplos, do caso do matador de meninos em Soledade; do caso da Praia do Cassino; do Maníaco do Parque; do “Luz Vermelha” e do caso do Matador de Goiânia, em que o assassino atirava em vítimas, também aleatórias, de cima de uma moto, matando-as.
Tudo isso é uma barbárie, é claro. Mas, não sei por que, eles parecem se multiplicar nos Estados Unidos. O FBI tem “know how” para traçar o perfil desses assassinos, quanto as suas personalidades e características inclusive físicas. São “experts” nisso”. Qualificam esses criminosos como “psicopatas”, insuscetíveis de cura: uma vez presos, se postos em liberdade, em razão de sua personalidade, perversidade, impiedade e falta de empatia, tornarão a matar, pois o fazem por prazer.
“Gary Ridgway”, também conhecido como o assassino de “Green River”, foi um dos que deu muito trabalho às autoridades policiais americanas. Ridgway foi condenado por 49 assassinatos, mas, a verdade é que a Polícia norte-americana presume que ele foi responsável por mais de 90 homicídios ao longo de 20 anos por práticas criminosas similares. Ele se tornou o assassino em série norte-americano mais prolífico, de acordo com o número de assassinatos confirmados. Seu método era o estrangulamento.
Nasceu assim? Tornou-se assim? Nasceu com propensão e as vivências dele acentuaram essa verve assassina? Chamemos os universitários, porque eu não sei ser taxativa. A Psiquiatria não cataloga a psicopatia como uma “doença” e não a vê como incapacitante (desconexão do agente com a realidade) ou com perspectiva de curra. Apenas explica que há graus distintos de perversidade e que o meio pode influenciar na sua extensão. É o que diz Ana Beatriz Barbosa da Silva, psiquiatra autora da obra “Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado”, em que assinala as dificuldades que temos para identifica-los e a necessidade de nos mantermos deles distantes.
Vejam o caso de Garry Ridgway. Ele nasceu em Salt Lake City, no Estado de Utah, nos EUA, e foi criado perto da estrada pacífica de Seattle, um bairro privado perto do aeroporto de SeaTac. Curiosamente, ele se sentia, desde muito novo, sexualmente atraído pela mãe, uma pessoa dominadora e com problemas, de onde ele diz ter desenvolvido ódio e problemas com mulheres.
Gerry era uma pessoa pobre; como estudante, tinha um QI muito abaixo da média; além disso, sofria de dislexia. Até os 16 anos, nenhum aspecto negativo de sua existência assumiu alguma relevância. Mas, a partir daí, tudo mudou drasticamente, porque, quando tinha 16 anos, ele levou um menino para dentro de uma floresta, onde o esfaqueou nas costelas e no fígado, sendo que a criança sobreviveu e informou que, na ocasião, Ridgway se afastou do local dele rindo, sinal inequívoco de perversidade.
Depois, Gary Ridgway foi enviado para o Vietnã, assim que concluiu o ensino médio. Ao retornar da guerra, conseguiu um emprego de pintor de caminhões, emprego aquele que manteve por cerca de 30 anos. Casou-se por três vezes. Tornou-se um religioso fanático. Entretanto, sempre foi cliente frequente de prostitutas, que vieram a se tornar suas vítimas preferenciais, pois ele tinha impulso sexual insaciável (aliás, ele passou muito tempo com prostitutas enquanto servia nas forças armadas). Garry contraiu inclusive gonorreia. Em que pese irado com isso, não usava qualquer tipo de proteção.
A chave literalmente virou em meados de julho de 1982, quando o primeiro corpo foi encontrado flutuando no Green River no condado de King, em Washington. Na ocasião, a vítima era Wendy Lee Coffield, de 16 anos, uma adolescente problemática que tinha experimentado poucas alegrias na vida antes de ser estrangulada até a morte com sua própria calcinha e jogada na borda rasa do rio. Era apenas o início de uma matança sem fim.
Essa selvageria perdurou por muitos anos, sendo que as vítimas eram quase sempre mulheres que variavam de 12 a 31 anos de idade; a maioria era encontrada nua, às vezes, com as unhas cortadas. Nos lugares em que os corpos eram deixados, por vezes, havia pontas de cigarros, alimentos e mapas rodoviários ao redor, bem como evidências de que alguns dos cadáveres foram abusados sexualmente.
Como foi possível identificar e prender, depois de tantos assassinatos, Gary Ridgway? Sem o DNA e as tecnologias dos dias atuais, nem uma força-tarefa criada para este fim era capaz de dar uma pronta resposta sobre a autoria desses crimes, que, à época, podia contar penas com o trabalho da Polícia para juntar pistas e perfilar o matador. O trabalho foi longo e curioso, porque a força-tarefa contou até com uma “consultoria” de um outro famoso “serial Killer”, Ted Bundy”, que, à época, já estava no corredor da morte. Porém, as “dicas” de Bandy em nada ajudaram.
Só em 30 de novembro de 2002 é que Gary Ridgway foi efetivamente preso pelos assassinatos de Marcia Chapman, Opal Mills, Cynthia Hinds e Carol Ann Christensen. A evidência foi uma combinação de DNA positiva de cada vítima para Gary. Adiante, outras tantas amostras de DNAs encontradas em vítimas distintas foram identificadas como compatíveis com o DNA de Ridgway.
Some-se a isso que a Polícia ouviu as ex-esposas do assassino de Green River, além de velhas namoradas, vindo a descobrir que Garry havia levado uma namorada para piqueniques e sexo ao ar livre em várias áreas que ele usara para agrupar os corpos de suas vítimas.
Como Ridgway sabia que pegaria a pena de morte, resolveu negociar com as autoridades, a fim de evitá-la, confessando 49 homicídios, esclarecendo como as vítimas foram mortas e onde estavam os seus corpos. Foi sentenciado a 480 anos de prisão, sem possibilidade de liberdade condicional.
Ficam, aqui, duas perguntas: 1) O quanto dessa pena essa pessoa iria cumprir, se os casos tivessem ocorrido no Brasil; e, 2) Por que, a sanha homicida, desaparece, quando um delinquente assim é preso? Este é o remédio?