Bento Gonçalves

MP investiga cobrança irregular de espaços alugados nos cemitérios públicos de Bento Gonçalves

MP investiga cobrança irregular de espaços alugados nos cemitérios públicos de Bento Gonçalves
Denúncias apontam que irregularidades no cemitério público de Bento Gonçalves podem estar ocorrendo há pelo menos cinco anos

O Ministério Público (MPRS) estadual de Bento Gonçalves aguarda para a próxima semana que a prefeitura responda os questionamentos acerca de denúncias de irregularidades na ocupação dos espaços do Cemitério Público Municipal da cidade. As questões fazem parte de uma investigação instaurada no final de outubro para averiguar as suspeitas de que gavetas e carneiras no cemitério central, localizado no bairro São Francisco, estariam sendo desocupadas e comercializadas irregularmente.

De acordo com o promotor Alécio Nogueira, o MP quer “averiguar eventuais irregularidades praticadas por agentes públicos em relação à comercialização indevida e  mau uso de carneiras” no cemitério, e apurar se há elementos para a proposição de uma Ação Civil Pública por improbidade administrativa contra os eventuais responsáveis pelas irregularidades.

A denúncia ganhou espaço depois que o próprio secretário municipal de Mobilidade Urbana, Marcos Barbosa, afirmou que constatou a presença de restos mortais humanos em um lixo orgânico. Barbosa teria, inclusive, afirmado que um vídeo comprovaria a situação, mas as imagens não foram divulgadas.

As suspeitas é que ossadas seriam retiradas sem aviso e espaços eram comercializados irregularmente

As suspeitas dão conta de que um grupo organizado estaria cometendo os delitos, esvaziando os locais e depois vendendo os espaços a terceiros, e há indícios de que os casos poderiam ocorrer há pelo menos cinco anos, de acordo com relatos de pessoas que utilizam os serviços, ainda, portanto, no governo do ex-prefeito Guilherme Pasin.

Em um desses testemunhos, Ricardo Daniel dos Santos, que afirmou que a família utiliza há anos um espaço no cemitério, disse que recebeu uma ligação de pessoas que trabalham na Divisão de Administração e Manutenção de Cemitérios da Secretaria Municipal de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana, informando que algumas pessoas não autorizadas estavam tentando retirar as ossadas do local utilizado pela família.

Ossadas seriam transferidas para o ossário público. Prática encontra amparo em casos previstos por legislação municipal

“Recebemos uma ligação de uma servidora nos questionando se estávamos realizando pedido de traslado dos restos mortais de nossos familiares”, disse Santos, que reiterou que a família não solicitou a remoção e jamais autorizaram que isso fosse feito.

A denúncia de Santos é confirmada por familiares de pessoas sepultadas no cemitério público, que teriam sido surpreendidas com a retirada dos restos familiares das gavetas, e informadas que as ossadas estariam alocadas no ossário público. Essa remoção para um local sem identificação já havia sido denunciada em 2014, quando famílias com permissão temporária de uso das carneiras dos cemitérios públicos haviam sido convocadas para atualizar o cadastro. Os túmulos não identificados até o final de novembro daquele ano tiveram os restos mortais retirados e colocados no ossário público.

Quatro anos depois, a prefeitura divulgou que a inadimplência no pagamento das taxas de manutenção nos cemitérios de Bento Gonçalves acumulava R$ 130 mil em débitos. Na época, quando o prefeito era Guilherme Pasin, a administração municipal afirmou que, caso as pendências não fossem quitadas, os locais, administrados pelo município, tem autonomia para exumar corpos e desapropriar terrenos de cemitérios. A atitude é respaldada por uma lei municipal aprovada em 2007, que estabelece a permissão temporária de três anos, prorrogáveis pelo mesmo período e por uma única vez na utilização de carneiras públicas para a população que não disponha de um local para sepultar seus familiares.

Conforme a legislação, para que a renovação seja permitida, as famílias que possuem o direito ao local devem manter as carneiras conservadas. Em junho deste ano, a prefeitura novamente notificou algumas famílias para a devolução de cerca de 700 espaços ao município, estabelecendo um prazo de 60 dias para regularizar a situação. Caso a família não tenha condições de arcar com as despesas, os restos mortais são transferidos para o ossário público.

As novas denúncias de irregularidades coincidem com a exoneração do Coordenador da Divisão de Cemitérios, que ocupava o cargo pelo menos desde março de 2017, ainda no governo de Guilherme Pasin, e deixou a função no dia 15 de outubro deste ano. Na mesma época, a prefeitura teria instalado uma sindicância interna para apurar as possíveis irregularidades no local. Entre outros questionamentos, o MP quer saber se a exoneração se refere às denúncias e se a apuração interna identificou as ações e eventuais responsáveis.

O que diz a lei

Uma legislação específica regulamenta a utilização das carneiras públicas nos cemitérios municipais de Bento Gonçalves desde 2007. Conforme a legislação, a permissão temporária garante o uso dos espaços por três anos, prorrogáveis pelo mesmo período e por uma única vez.

De acordo com a lei, o município deve disponibilizar carneiras públicas a todas as famílias que não disponham de um local para sepultar seus familiares, através de permissão temporária e mediante o pagamento de uma taxa correspondente a 184% da Unidade de Referência Municipal (URM), que atualmente vale R$ 145,08, que podem ser quitados em três parcelas.

A norma exige ainda que, para que a renovação seja permitida, as famílias devem manter as carneiras conservadas. Caso sejam comprovadas situações de abandono ou péssimo estado, os permissionários são convocados para que procedam a regularização dos espaços em um prazo de 60 dias. Se a situação seguir irregular, os túmulos poderão ser demolidos ou desocupados, e os restos mortais poderão ser transferidos para o ossário público.

A reportagem da RSCOM encaminhou uma série de perguntas para a prefeitura, mas as respostas foram evasivas. Confira na íntegra as perguntas e respostas da administração municipal:

1. Como a prefeitura tomou conhecimento das supostas irregularidades? O que efetivamente aconteceu?

R.: A Secretaria de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana (Segimu), logo que identificou o fato, imediatamente, adotou todas as medidas cabíveis junto a Unidade de Controle Interno para investigação e identificação dos responsáveis.

2. Há uma sindicância aberta para investigação interna? Qual o procedimento? Há prazo para resultados?

R.: O conjunto de informações foi encaminhado à Unidade de Controle Interno no Município, que abriu sindicância para investigação interna. O material também foi encaminhado pela Procuradoria-Geral do Município ao Ministério Público e à Polícia Civil para que seja analisado.

3. Por que o coordenador da Divisão de Cemitérios foi exonerado? Ele é suspeito das práticas irregulares?

R.: Todas as informações já foram encaminhadas aos órgãos competentes, é um processo em andamento não sendo possível repassar detalhes.

4. Há quanto tempo as irregularidades ocorriam? A medida em que o servidor exonerado exercia a função desde 2017, é possível afirmar que as irregularidades já ocorriam desde a primeira nomeação?

R.: Todas as informações já foram encaminhadas aos órgãos competentes para que os responsáveis sejam identificados e punidos dentro da legislação, logo que identificou o ocorrido a Segimu adotou as medidas cabíveis.