Caxias do Sul

Moradores de rua revelam como é viver no lado duro do frio

O paraense João Pedrozo, 57 anos,passa as noites geladas na rua Vinte de Setembro em Caxias.
O paraense João Pedrozo, 57 anos,passa as noites geladas na rua Vinte de Setembro em Caxias.

É bem possível que você esteja lendo essa matéria no conforto do seu lar ou em um local agradável e quente, em frente a uma lareira, perto do ar-condicionado, próximo do aquecedor, da estufa ou até mesmo diante de umas brasas recém-tiradas do fogão a lenha.

Por isso, muito provavelmente, você jamais experimentou o lado mais duro e complicado do frio, que só pode ser visto e, principalmente, sentido por quem mora nas ruas de cidades como Caxias do Sul.

Nesta noite da segunda-feira, dia 17, em que os termômetros chegaram a marcar 0°C e que a sensação térmica girou em torno dos -2°C em alguns pontos da cidade, a reportagem do Leouve foi às ruas ver de perto esse drama, e conversar com aqueles que vivenciam a parte mais complicada do inverno gaúcho: os moradores de rua.

Dando uma volta pelo centro, não foi difícil encontrar nosso primeiro entrevistado, um homem que está morando debaixo de uma marquise na rua Vinte de Setembro, na frente do Hospital Saúde. Ali conversamos com o paraense João Pedrozo, de 57 anos, que há 30 anos mora na Serra Gaúcha.

O paraense João Pedrozo, 57 anos,passa as noites geladas na rua Vinte de Setembro em Caxias. Fotos: Mauro Teixeira

Para ele, que cresceu em Belém, no Pará, uma cidade que faz uma média de 28°C por ano, o frio de Caxias assustou logo no início. “Logo que cheguei aqui, o frio era complicado, mas depois fui acostumando. Só voltei a sentir frio mesmo quando vim morar na rua. Aí sim o vento não perdoa”, conta.

Andando mais um pouco na área central, na esquina das ruas Garibaldi com Sinimbu, logo nos deparamos com mais uma história das ruas. O jovem Wagner Carvalho de Oliveira, de 26 anos, pedia uns trocados na sinaleira para poder comprar algo para comer. Wagner vestia apenas uma calça jeans e um agasalho de moletom.

Nos pés, um tênis umedecido, enquanto na mochila aguardava uma coberta fina que serve de agasalho para as noites mais frias, como ele já antevia que seria esta madrugada. Pai de dois filhos e com problemas para deixar a bebida, Wagner falou da dificuldade de morar na rua nessa época do ano.
“Eu sei que é opção de cada um morar na rua, mas eu quero voltar a ter um teto. Morar em algum lugar que eu não tenha que sofrer com o frio como estou sentindo nesse momento. Meus pés estão gelados. Só queria esquentá-los e poder comer alguma coisa”, reclama.

Mais adiante, encontramos os moradores de rua mais animados, se é que dá para usar essa expressão diante de tão dura realidade, às margens da BR-116, entre os bairros Loudes e Cruzeiro. Ali conhecemos o trio Valdir, Ademir e Alexandre, e mais a vira-latas Doralice, a mascote deles, que também serve de aquecedor para os pés de Valdir, que cata papelão durante o dia e, de noite, dorme no local.

Alexandre Borges, de 38 anos, está na rua há mais de uma década, e garante que é muito ruim enfrentar o frio intenso. Mas hoje, o sentimento é um pouco diferente, porque tem a comemorar o fato de ter ganho duas barracas iglu para espantar o frio. “Ganhamos as duas barracas de um empresário que passou por aqui. Ainda tem umas pessoas que são boas nesse mundo”, comemora.

Depois que desligamos os gravadores e as câmeras e nos afastamos, eles voltam a ficar sozinhos. Ou melhor, na companhia do frio e da solidariedade que, às vezes, aparece para dar algum conforto.

Edição: Rogério Costa Arantes