Custo de Vida

Mais da metade das empresas gaúchas considera recorrer a recuperações extrajudiciais e judiciais

Mais da metade das empresas gaúchas considera recorrer a recuperações extrajudiciais e judiciais

Levantamento inédito mapeou as principais decisões que as empresas gaúchas estão tomando para enfrentar a crise provocada por mais de um ano de pandemia. Realizada entre 17 e 19 maio, a pesquisa consultou 400 companhias de diferentes ramos de atuação e de todas as regiões do Rio Grande do Sul. A iniciativa foi do escritório Biolchi Empresarial, consultoria especializada em reestruturação de negócios e superação de crises, com coordenação do Instituto Index.

O impacto no mercado de trabalho ficou evidente: 95,5% das empresas precisaram reduzir salários e carga horária para evitar demissões. No entanto, essas medidas não foram o bastante para 67% dos negócios, que acabaram demitindo funcionários, e para 74% das empresas que suspenderam contratos de trabalho. Como consequência, mais da metade das companhias disse que vai recorrer a instrumentos judiciais ou extrajudiciais para conseguir manter as portas abertas.

Na avaliação de Juliana Biolchi, sócia-diretora da Biolchi Empresarial, os resultados refletem o cenário atual da crise econômica gerada pela pandemia. “Em geral, os empresários brasileiros não são preditivos: costumam ser reativos. Apesar da instabilidade dos primeiros meses de isolamento social, não acreditavam que a situação pioraria tanto. Desde a chegada do coronavírus ao país, as previsões sempre foram de incerteza, mas estava claro que era preciso tomar medidas fortes de prevenção. A maioria, infelizmente, não fez isso no tempo recomendado, lá nos primeiros momentos da crise, e agora vai precisar de ajuda”, constata a especialista.

Veja a entrevista completa no Jornal da Manhã da Jovem Pan 92,5 FM e 90,7 FM

Otimismo apesar da falta de prevenção
Diante dos dados, chama a atenção a expectativa dos entrevistados com relação ao futuro — mesmo com um cenário incerto em curto e médio prazo. Quase 70% daqueles que responderam à pesquisa estão otimistas com relação à melhora da economia ainda este ano. E 93% acreditam que sua empresa sobreviveu à crise.

Para Adriano José da Silva, sócio-diretor da Biolchi Empresarial, um comportamento que se repete: “Não houve prevenção de crise nos primeiros meses de 2020 justamente por conta desse otimismo. E, agora, existe uma crença de que as coisas estarão resolvidas logo ali na frente, até porque teremos um fôlego com o novo auxílio emergencial e a prorrogação do Pronampe, que vai ajudar pequenos e médios empresários”. E questiona: “Mas o que virá a partir de outubro?”.

Conta que começa a chegar

Em junho do ano passado, a Biolchi Empresarial e o Instituto Index realizaram um levantamento com perguntas semelhantes — medindo o impacto do coronavírus logo nos primeiros meses de pandemia. Naquela época, apenas 26,3% dos empresários afirmaram ter aumentado o endividamento — contra os atuais 75%. Com relação às demissões, 27,3% das empresas precisaram cortar postos de trabalho para se manter no início da pandemia, mas, com mais de um ano de crise, o índice aumentou para 67%.
A suspensão dos contratos de trabalho também apresentou alta: passou de 33,9% para 74%. O dado que mais surpreende, no entanto, é o de redução de salários e carga horária. A quantidade de companhias que foram obrigadas a lançar mão dessa medida triplicou e atingiu quase todas as empresas consultadas. O percentual saiu de 32,1% em junho de 2020 para 95,5% em maio deste ano.

O advogado trabalhista Flavio Ordoque já esperava por esse salto negativo no mercado de trabalho. “Ao não reconhecer o momento de dificuldade lá atrás, muitos empresários acabaram não se antecipando à crise”, aponta. Segundo ele, um exemplo disso é o crescimento apenas recente do uso dos benefícios da Medida Provisória 936 — que, desde o início da pandemia, possibilitou a redução de salários e carga horária, além da suspensão temporária do contrato de trabalho. “Muitas empresas que, hoje, precisam fechar as portas poderiam ter utilizado esse recurso há mais tempo”, pondera Ordoque.

O protagonismo da recuperação extrajudicial

Ferramenta disponível na legislação há 16 anos, a recuperação extrajudicial ainda é um instrumento pouco utilizado. No entanto, a pesquisa indicou um aumento substancial no número de empresas que pretendem entrar com esse pedido. No primeiro levantamento, 6,4% dos entrevistados disseram que consideravam iniciar o processo; menos de um ano depois, já são 37,5%.
“Provavelmente, existe uma relação com a modernização da Lei 11.101/05, que abriu mais espaço para a Recuperação Extrajudicial e a está tornando mais conhecida do grande público”, analisa Juliana Biolchi. Na avaliação da sócia-diretora da Biolchi Empresarial, esse é um instrumento que possibilita uma negociação mais rápida e menos custosa, o que protege a imagem do negócio. “É uma forma mais cooperativa também, porque coloca devedor e credores em conexão direta. Muitos empresários já estavam em situação crítica no fim do ano passado e aguardavam a sanção da nova Lei 14.112/20, que aconteceu em dezembro”, pontua.

Enquanto isso, a recuperação judicial, que era opção de 5,7% dos entrevistados no levantamento anterior, agora deve ser utilizada por 14,5% dos empresários. Na contramão, os pedidos de falência devem cair. O índice dos que pretendem usar o recurso reduziu de 4,6% para 0,5%.

LGPD: empresas ainda não estão preparadas

A maioria das companhias ainda não entendeu o que significa e o que exige a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). É o que acredita a consultora em privacidade e proteção de dados da Biolchi Empresarial, a advogada Gabriela Totti.

Segundo a pesquisa, 87% das empresas declaram que já atuam de acordo com a LGPD, e 13% admitem que ainda não estão adequadas. Destas, 92,3% revelam que pretendem implementá-la. No levantamento de junho do ano passado, quando a lei ainda não tinha sido sancionada, apenas 10,5% diziam estar de acordo com as novas regras, e 63,6% afirmaram não ter implantado. Destas, 25,9% garantiram que iriam se adequar à LGPD.

“As empresas realmente acreditam que estão adequadas — seja porque elas não sabem do que se trata a LGPD, seja porque fizeram uma implementação não adequada da lei, incompleta. Tem quem acredite que colocar um banner de cookies no site é suficiente para estar de acordo, o que é um equívoco”, explica Gabriela.

Na avaliação da especialista, as companhias precisam estar preparadas desde já — antes que as sanções previstas comecem a vigorar. “Assim que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) começar a aplicar essas multas, possivelmente no ano que vem, os negócios sentirão no bolso a inadequação à lei”, alerta.

Retrato da crise

Para o diretor do Instituto Index, Caco Arais, realizar essa pesquisa pelo segundo ano consecutivo ajuda a formar um retrato dos impactos da crise na economia gaúcha. “Ouvimos 400 empresas ao todo nesta segunda pesquisa — um universo bem representativo. Foi possível comparar esses novos dados aos resultados do levantamento anterior, o que nos dá um panorama completo sobre como o empresariado vem reagindo à crise no estado”, ressalta o pesquisador. A margem de erro da pesquisa é de 4,9%, para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%.
Segundo Juliana Biolchi, os dados coletados confirmam o que a Biolchi Empresarial vem constatando no trabalho diário. “A pesquisa mostra que, mesmo com a realidade que se apresenta, os empresários não mudaram muito o comportamento. Além do ritmo de vacinação lento e do provável fim dos auxílios a partir de outubro, precisamos lembrar que existem muitas incertezas com relação à Covid-19”, reforça. “Impossível dizer quando essa crise termina — e se ela termina. Portanto, insisto: para minimizar os impactos, é preciso investir em gestão, planejamento e contar com apoio externo”, conclui a advogada.