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Lei seca, certezas líquidas

Lei seca, certezas líquidas

Não é de hoje que a ausência da família na educação e do Estado na fiscalização vem cobrando preços cada vez mais altos de uma sociedade que vê seus antigos valores se relativizarem na tal pós-modernidade que liquidifica certezas e conceitos para desmanchar no ar tudo que é sólido.

Aqui, em Passo Fundo, no Paraná ou no Canadá, mal comparando, todos temos as mesmas dúvidas e, muitas vezes, as mesmas respostas a elas, o mesmo peso, medidas muitas vezes arrevesadas, ou um peso e muitas medidas.

Pois a legislação que proíbe o consumo de bebidas nas ruas cabe bem dentro disso. A medida, que já é prática em vários locais, ganha agora polêmica nos municípios serranos com a iniciativa aprovada pelos vereadores em Bento Gonçalves.

Tudo começou depois que jovens ocuparam as ruas com seus carros e sons altos e bebidas à mancheia, bares instalados em esquinas e lojas de conveniência sem espaços internos ou externos pra acomodar uma clientela ávida por diversão, começaram a causar incômodo a uma parcela da população, à polícia e ao poder público, porque trazem sujeira nas ruas, barulho nas madrugadas e preocupação para todos.

Mas a polêmica toda aberta com a discussão sobre a nova exigência de conduta é porque, pra coibir práticas que já são ilegais, como o consumo de álcool por menores, o vandalismo, a arruaça e a perturbação ao sossego, por exemplo, a resposta da sociedade é simplesmente proibir. Assim, qualquer cidadão fica proibido de consumir bebida alcoólica nas ruas, mesmo sem perturbar o sossego alheio. Como se, por si só, a proibição tivesse o condão de acabar, da noite pro dia, com o consumo de álcool por menores, o vandalismo, a arruaça e a perturbação ao sossego.

Não tem. A saída passa por um processo de longo prazo chamado educação: na família, na escola e na sociedade.

Em Bento, o projeto passou quase que unanimemente pela Câmara, com o voto contrário de dois ou três vereadores num universo de quase duas dezenas, mas agora será preciso regulamentar como será a fiscalização e as eventuais punições aos infratores. E é aí que a coisa se afunila.

Confesso a vocês que me incomodam barulhos fora de hora e de lugar, inconveniências alcoolizadas de qualquer espécie, sujeira a rodo nas esquinas, calçadas e parques da cidade, mas preciso dizer que também não me soa lá tão bem fazer novas leis simplesmente porque as que já existem não são cumpridas.

Quando o cigarro foi vetado em aviões, e depois nos bares e restaurantes país afora, muitos se revoltaram como se revoltam agora. Também houve resistência com a tolerância zero para quem bebe e dirige, além da proibição de bebida alcoólica em estádios de futebol. Foram leis que deram certo, mas somente elas não bastam, porque a verdade é que ainda somos brucutus no convívio em comunidade.

O fato é que nesses dias de certezas líquidas e valores relativizados pela conveniência, proibir as pessoas de beber na rua é uma tendência mundial.

Porque qualquer substância que altere o comportamento, a percepção ou a consciência de alguém, quando consumida no espaço público, pode afetar esse público. E, no espaço público – que é a área de convivência entre todos –, o interesse coletivo precisa sempre estar à frente dos individuais. Simples assim.