Tudo estava estável em nosso mundo, o nosso trabalho, a nossa vida social, a convivência com o semelhante, os sonhos, o lazer, as viagens. Mas, de repente, o mundo foi sacudido. Através de mudanças biológicas, vindas do outro extremo do planeta, nosso cotidiano, nosso comportamento e nossa maneira de viver foram alterados.
Incrível. Um ser vivo simples, pequeno, um agente infeccioso diminuto, desprovido de metabolismo independente, mas que se aproveita das células do ser humano para se replicar e sobreviver, querendo sim a continuidade de sua espécie dentro de algum ambiente, no caso, o humano!
E foi assim, viajando de avião, atravessando continentes, não interessando se de primeira ou segunda classe, nunca saberemos, que o vírus, silenciosamente, passando de um indivíduo para o outro, transportado por uma das melhores inovações humanas, chegou até aqui.
Queria ver hoje (se fosse vivo, é claro) a cara de perplexidade de Edward Jenner com o que está acontecendo no mundo. Nascido em 1749 em Berkeley, interior da Inglaterra, oitavo de nove irmãos, aos 14 anos já era aprendiz do cirurgião do seu povoado e, mais tarde, depois de estudar medicina em Londres, voltou a sua cidade natal para descobrir o que hoje é a vacina.
Foi em meio a fortes surtos de varíola, uma das doenças mais temidas no mundo no século XVIII, com taxa de mortalidade em torno de 10 a 40%, que ele observou que as mulheres responsáveis pela ordenha, quando expostas ao vírus bovino, tinham uma versão mais suave da doença. Então, em 1789, ele conduziu várias experiências, uma delas com James Phipps, um menino de oito anos.
Em sua experiência, Jenner inseriu pus das bolhas das mãos de Sarah Nelmes no garoto. O menino teve um pouco de febre e algumas lesões, mas não desenvolvendo a infecção da varíola completa, tendo uma recuperação rápida. A partir daí, o cientista pegou o líquido da ferida de outro paciente com varíola, e novamente expôs o garoto ao material. Semanas depois, James Phipps não desenvolveu varíola. Estava descoberta assim a propriedade da imunização. Nascia a primeira vacina que sem tem conhecimento.
No ano seguinte, ele relatou a sua experiência à Royal Society, a Academia de Ciências do Reino Unido, mas as provas que ele apresentou foram consideradas insuficientes. Ele realizou então novas inoculações em outras crianças, inclusive no seu próprio filho. Em 1798, o seu trabalho foi reconhecido e publicado. No entanto, os seus críticos procuravam ridicularizá-lo, denunciando como repulsivo o processo de infectar gente com material colhido de animais doentes. Mas as vantagens da vacinação, porém, logo se tornaram evidentes, criando imunidade à varíola humana, uma das doenças epidêmicas mais mortais da humanidade.
Basicamente, quase todas as vacinas que sucederam a vacina da varíola, vinham trabalhando com o modelo de replicação viral, fragmentos do vírus ativo ou inativo em cultura.
Mas foi então que uma delas, a Pfizer Biontec, desenvolvida por um casal turco, inovou na área: Lightspeed (velocidade da luz) foi o nome do projeto lançado pela empresa alemã em meados de janeiro do ano passado. A meta era nada menos que desenvolver uma vacina contra o coronavírus em tempo recorde. E eles conseguiram!
Por que o método é tão inovador?
Os cientistas criaram em laboratório um RNA mensageiro sintético, que contém uma cópia de parte do código genético viral. Esse RNAm fará com que nossas células fabriquem uma proteína característica do vírus, e é isso o que vai alertar o nosso sistema imunológico.
Essa técnica traz algumas vantagens importantes. Primeiro, a segurança. Como ela não utiliza o vírus, não há perigo de que ela cause infecções em pessoas com a imunidade muito baixa, como pode acontecer em vacinas como a da febre amarela ou a da pólio, por exemplo.
Também é uma técnica mais simples do que as outras, porque o RNA utilizado é completamente sintético. Por isso, não precisamos manter culturas celulares e sistemas de purificação complexos nos laboratórios.
O uso do RNA feito em laboratório torna a produção da vacina mais rápida em relação às vacinas convencionais, Como a produção de uma vacina de RNAm usa métodos sintéticos, ela pode oferecer uma abordagem mais flexível aos patógenos que estão evoluindo rapidamente, além de uma resposta mais rápida a surtos grandes ou pandemias.
E as outras vacinas, funcionam?
É claro que sim. A única coisa que muda entre elas é que tivemos uma inovação pelo fato de ser sintética, e isso pode ser extremamente relevante, em meio a uma pandemia, devido a agilidade criada em sua criação, o que pode, contribuir nos reforços a novas variantes de vírus. Contudo, ainda é necessária a transferência de sua tecnologia para que possa ser usada em maior escala e, quem sabe, em várias outras doenças e com um processo, como já mencionado, mais ágil.
Concluímos que estamos diante de uma corrida contra o tempo, onde um vírus testa não somente a ciência, mas a capacidade de adaptação do ser humano. Nunca tivemos tanta informação, mas, ao mesmo tempo, tanta indiferença em desafiar esse agente patógeno implacável, silencioso e invisível aos nossos olhos.
Talvez já seja hora de deixarmos de lado opiniões e pitacos e confiar no que a ciência nos mostra. Mas a decisão de se vacinar, de se cuidar, de usar os protocolos, ainda é responsabilidade de cada um de nós.
Talvez esse seja o maior aprendizado que está sendo proporcionado: Uns responsáveis pelos outros! Parece que tínhamos esquecido essa lição!