Opinião

Há quem minta muito e bem!

Há quem minta muito e bem!

Você já ouviu falar de Theodore Robert Bundy ou simplesmente “Ted Bundy”?

Ted Bundy, como vamos tratá-lo doravante, foi um dos mais cruéis e conhecido assassino em série dos Estados Unidos na década de 70, tendo sido executado numa cadeira elétrica em 1989. Entre os anos de 1974 e 1978, cometeu um sem número de assassinatos e atrocidades, como arrancar os mamilos e a cabeça de suas vítimas, bem como fazer sexo com os seus cadáveres.

O assassino em série era um homem bonito, carismático, atributos com os quais despertava até certo fetiche no meio feminino. Usava seu charme e seu fusca para se aproximar de suas “presas”. Foi preso pela primeira vez no Estado de Utah em 1975. Fugiu duas vezes, e mesmo enfrentando acusações de homicídio, voltava a cometer crimes em vários estados, cuja autoria sempre negava.

Revendo o caso, chamou atenção a tese da Defesa. Acho que o Defensor não conhecia a maldade de Ted Bundy que, obviamente, manipulava o Advogado também. No processo em Utah, o Defensor, inquirindo uma vítima, indaga:

D — A Polícia lhe mostrou uma fotografia do meu cliente antes da identificação que fez dele em 2 de outubro?

V – Sim.

D – Escolheu uma foto dele de uma pilha, mas, quando a perguntaram, especificamente, por que a escolheu, você declarou: “Parece um pouco com ele, mas não tenho certeza”. Isso está correto?

V – Sim.

D – A única prova minimamente comprobatória que deu foi o modelo de um veículo: o fusca, um dos carros mais populares dos Estados Unidos. Ainda assim, o fusca dele não bate com sua descrição. Como justifica isso?

V – Me disseram que deveria ser…

D – Desculpe, não consegui ouvi-la.

V – Eles me disseram que deveria ser o carro….

D – Quem disse? Quem lhe disse isso Senhorita?

V – … (choro)

D – Nós todos nos sensibilizamos com sua dor. O que você passou é horrível. Mas a questão é: você identificou meu cliente porque é o que a Polícia queria, não é?

Os últimos crimes foram praticados na Flórida, onde Ted Bundy foi acusado de três homicídios e três tentativas de homicídios cuja autoria era por ele negada também. Formado em Direito (e dizem, também em Psicologia), em determinado momento de seu julgamento, destituiu seu advogado – porque não aceitava que o aconselhasse a assumir a culpa pelos crimes e receber a pena de prisão perpétua, em vez da pena de morte – e passou a realizar sua própria defesa (lembrei de um caso de desaforamento, de Gramado para Caxias do Sul, que, de forma indireta, o acusado, estudante de direito, fez algo semelhante, mas saiu preso do Plenário).

Ted Bundy realizou uma atuação em autodefesa brilhante negando a autoria dos crimes; ele a terminou dizendo: “A Polícia só quer resolver e, às vezes, não analisa as coisas a fundo. Querem escolher a alternativa mais convincente e, neste caso, a alternativa mais convincente era eu”. Não obstante, antes de ser executado, confessou mais de trinta homicídios, havendo razões para se acreditar que esse número não representa a totalidade das mortes horríveis que o criminoso em série provocou.

Imediatamente, relacionei a tese com a desenvolvida pela Defesa no caso Nardoni: negativa de autoria que, o tempo todo, sustentou que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá não eram os autores da morte de Isabella Nardoni. Um terceiro desconhecido teria ingressado no apartamento, matado a menina e a defenestrado pela janela. Mas a Polícia, argumentou a Defesa, não queria ir atrás do assassino. Queria encontrar a quem culpar.

Embora essa não seja a regra (a Polícia acerta muito mais do que erra, em que pese erre também), não pensem que é incomum, o que digo com amparo em outras ciências, como, por exemplo, na Psicologia. A dramaturgia, muitos filmes tendo por base casos reais, em outro giro, também nos dá conta de o quanto isso é possível. Basta assistir ao DNA da Justiça, Mentes que Condenam e o Inacreditável. O sistema se presta para isso. Porém, Ted Bundy e muitos outros enganaram e enganam muito bem, porque mentem com tanta veemência que chegam a suscitar dúvidas em qualquer mortal.