Se a primeira onda da pandemia do novo coronavírus em 2020 revolucionou o comércio eletrônico com as mudanças impostas pelo novo regime de isolamento social, o mesmo não deve se repetir na atual fase da crise sanitária. Os consumidores estão mais pobres, estão menos confiantes com a retomada da economia e estão de olho na reabertura total de serviços até o fim do ano. Esses fatores devem frear o clima de otimismo no e-commerce brasileiro neste ano. Levantamento da GfK, consultoria global especializada em pesquisas de mercado, aponta que o segmento de eletroeletrônico, um dos líderes das vendas digitais no ano passado, deve passar por um momento de desafio enquanto os consumidores de diferentes perfis se adequam à realidade exigida pelo prolongamento da pandemia por um período maior do que o esperado. “Temos um cenário mais difícil em relação ao poder de compra dos consumidores de menor renda e com a classe média mais seletiva nas escolhas de produtos”, afirma Fernando Baialuna, diretor da GfK Brasil. “Estamos trabalhando com um prognóstico conservador e sem muitas apostas.”
De acordo com a Jovem Pan, o interesse dos brasileiros por produtos eletrônicos disparou 69% entre janeiro e março deste ano, na comparação com o mesmo período de 2020 – quando ainda a pandemia estava longe da realidade no Brasil – , em meio ao processo de adequação ao trabalho remoto e à nova rotina dentro de casa. O salto de 105% nas vendas de tablets — geralmente usados como segunda tela durante o trabalho ou para entreter crianças com vídeos e jogos —, é um dos reflexos dessa mudança. Os dados da consultoria também mostram que a compra de fritadeiras elétricas (conhecidas como airfryer), mais práticas e vistas como saudáveis por não usarem óleo na preparação dos alimentos, subiu 112%, enquanto a busca por aparelhos de som cresceu 161% no mesmo período. A aquisição de mais artigos de tecnologia não foi a única mudança das pessoas. Os itens de construção e reforma foram uns dos responsáveis pela disparada da inflação no ano passado diante do grande interesse das pessoas em deixar seus lares mais adequados para o isolamento social.
As bases que possibilitaram esse consumo maior em 2020, no entanto, não fazem mais parte da realidade deste ano. O auxílio emergencial, apontado como um dos grandes responsáveis pelo consumo das classes mais pobres, foi renovado apenas em abril, com valor e abrangência muito menores do que os do ano passado. Ao mesmo tempo, as expectativas de recuperação da economia logo no início de 2021 foram frustradas com a piora da pandemia e a demora na vacinação em massa da população. A inflação, que corrói o poder de compra dos brasileiros, se mostra mais persistente do que o previsto e chegou a 6,1% nos 12 meses encerrados em março — com projeção de subir até 8% em maio. Segundo Baialuna, aqueles que conseguirem economizar algum dinheiro em meio a esse processo de recessão deverão segurar os gastos até o fim do ano, quando está prevista a imunização da maioria das pessoas e a normalização de serviços, como hotéis e viagens. “O consumidor que tiver uma renda no último trimestre, que será uma parcela muito menor do que no ano passado, deverá ter mudanças de prioridades, passando a gastar mais com serviços e experiências fora do lar”, afirma. Para o especialista, a mudança de comportamento se assemelha a um pêndulo. “Em 2020, tivemos um cenário onde as pessoas estavam em isolamento e investiram para melhorar suas casas para viver o lockdown. Já o cenário de 2021 será o de focar os gastos na retomada social.”
Apesar das dificuldades no setor de eletroeletrônicos esperadas para este ano, o boom nas vendas online impulsionado pela pandemia é visto como irreversível. As vendas por plataformas digitais, que já registravam crescimento constante nos últimos anos, aumentaram 73%, segundo dados compilados pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Parte deste crescimento vem de pessoas que nunca haviam feito compras pela internet, mas com as lojas e shoppings fechados por causa da pandemia, foram obrigadas se adequar. “A digitalização é um processo irreversível que foi acelerado pela pandemia”, afirma o diretor da GfK Brasil. O varejo costuma classificar as vendas por físicas, quando o cliente vai na loja e adquire o produto, ou digital, ou seja, o processo todo é feito online. Nos últimos anos, no entanto, surgiu o conceito “figital”, unindo parte das duas jornadas. “O cliente acompanha as avaliações de produtos online, mas também vai na loja física para pesquisar antes de fechar a compra pela internet”, afirma. Pesquisa da GfK aponta que esse modelo já é responsável por 55% das compras de produtos eletroeletrônicos pela web. “Caberá ao varejo entender essa mudança e oferecer experiências melhores para o consumidor, seja no ambiente físico ou no virtual”, diz Baialuna.