Uma longa estiagem no Leste gaúcho afetou profundamente o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, na região dos municípios de Tavares e Mostardas. São dois anos de intensa seca, e se em 2022 cerca de 50% da água do local sumiu, agora já chega em 90% a evaporação da água, e se não chover logo, é grande risco de chegar aos 100%. E a crise ocorre bem no período da safra do camarão rosa, produto que sustenta de forma direta 201 pescadores artesanais, sendo 47 de Mostardas e 154 de Tavares. Observar de perto a lagoa é algo desanimador, uma longa extensão de terra úmida, onde nem se encontram sinais de animais – a maioria morreu devido à falta de água.
Dias catastróficos para os pescadores
“Estes dois anos seguidos de estiagem estão sendo um desastre para todas as famílias de pescadores”, lamentou Jair Joaquim Lucrécio, 61 anos e presidente da Colônia de Pescadores Z11, que abrange os municípios de Mostardas e Tavares. “Olha, os pescadores e suas famílias dependem da Lagoa do Peixe. E com autorização para pescar ali, pois quando foi criado o Parque Nacional, todos já moravam no lugar”, conta. E conforme explica Jair, esses dois anos consecutivos têm sido catastróficos. Para começar, de acordo com o dirigente, a maioria dos pescadores não possuem rede adequada, pois a superfície da lagoa é baixa – ela é relativamente rasa, com 60 centímetros de profundidade, em média. Sua extensão é de 35 quilômetros de comprimento e 2 quilômetros de largura. “Alguns estão tentando trabalhar na Lagoa dos Patos, mas aí não têm caíque, bote, não tem nada com que possam pescar. Mas alguns vão igual”, contou. Além disso, a maioria não tem nem condições de se deslocar até lá. “Tem gente que tem carroça, outros carros velhos, mas como viajar quase 110 quilômetros entre ida e volta? Enfim, não existe transporte”, constata.
Jair Lucrécio detalha ainda que as pessoas vivem basicamente da pesca na lagoa. “É o costume deles, a vida inteira, a família deles já tá aí há dezenas de anos. Eu mesmo sou daqui, já estou com 61 anos”, colocou. Ele acrescenta que “a Lagoa do Peixe é muito rica. Só que é uma lagoa rasa, entende? E é raro acontecer uma estiagem como esta, mas acontece. E agora ocorreu uma coisa inédita, porque nunca aconteceu de secar dois anos”, lamenta. Conforme Jair, antes secava um ano, passavam oito, dez anos para secar de novo”, lembrou.
O pescador não conseguiu lembrar há quanto tempo não chove na região. “Para ser sincero, faz muito tempo que não chove. Muito, muito tempo”, lamenta. Ele acrescenta que na Lagoa do Peixe, quando não existe seca, podem ser encontradas várias espécies de peixes, como peixe-rei, linguado, mais siri, camarão. “Ela dá tudo o que a gente necessita”, recorda. “Tem muitos pescadores vivendo de doações. Um tentando ajudar o outro, mas é quase impossível resolver a situação, pois todo mundo vive da mesma coisa, ou seja, da pesca. Então está ruim como ajudar, né?”, analisa. “Não tá dando nada, não tem como. Tá difícil, muito difícil”, completa Jair.
Influência do Fenômeno El Nina
O chefe do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, Riti Soares, disse que esta estiagem em seu segundo ano consecutivo “é um fator novo. Para todos, e afeta toda a sociedade”, constata. O diretor do parque disse, “ainda, que a seca se deve muito ao fator do Fenômeno El Nina que está na nossa região. E ele não atinge só a Lagoa do Peixe, mas basicamente todo estado”. Soares ressalta que “a gente vê hoje todo estado entrando em situação de emergência”. E ele analisa a situação da Lagoa do Peixe, “que segue em situação crítica”. Conforme ele, o nível da água é cada vez mais baixo, sendo que já existem alguns setores do local praticamente secos. “A Lagoa do Peixe é dividida em oito setores, e atualmente a gente tem água praticamente só em dois setores”, revela. Riti Soares finaliza, dizendo que a crise da seca está sendo tratada através do grupo de trabalho ICMbio! (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Fonte: Correio do Povo