(Adobe Stock/Divulgação)
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O agronegócio brasileiro segue como um dos pilares da economia nacional, responsável por sustentar parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB), das exportações e da geração de empregos. No entanto, entre a força produtiva e a rentabilidade no campo, o setor enfrenta um momento de instabilidade marcado por mudanças climáticas, oscilações no mercado internacional e desafios estruturais. Essa é a avaliação do especialista em agro, Márcio Irion, presidente do Grupo Irion, que analisou o atual cenário nacional e, especialmente, da Serra Gaúcha e do Rio Grande do Sul.

Segundo Irion, o Brasil mantém protagonismo global na produção de alimentos, fibras e energia, atendendo mercados em praticamente todos os continentes. Por outro lado, a dependência das commodities expõe o produtor às variações do mercado internacional, às mudanças tarifárias e à volatilidade da demanda internacional, especialmente da China.

“Hoje se exige cada vez mais estratégia, proteção jurídica, planejamento tributário e atuação forte das entidades representativas para manter a competitividade do setor”, destaca.

Clima e incertezas pressionam o produtor gaúcho

No Rio Grande do Sul, os desafios se intensificam por fatores climáticos. O Estado vive sucessivos ciclos de estiagem, com impactos diretos sobre as safras de soja, milho e trigo. A irregularidade das chuvas e os eventos extremos reduzem a produtividade, pressionam margens e colocam produtores, cooperativas e agroindústrias em um permanente exercício de resiliência.

Irion reforça que há anos o setor cobra investimentos estruturais em infraestrutura hídrica.

“Sem políticas públicas voltadas ao armazenamento de água e irrigação, o planejamento agrícola se torna cada vez mais incerto”, afirma.

Mesmo diante das perdas, a soja segue como a principal âncora econômica das lavouras gaúchas. O Estado colhe pouco mais de 14 milhões de toneladas, com produtividade média de cerca de 2.084 quilos por hectare, uma das menores entre os grandes produtores do país, reflexo direto dos problemas climáticos. Ainda assim, é a cultura que sustenta os investimentos em tecnologia, máquinas e estrutura no campo.

Trigo: cultura estratégica, mas pouco rentável

A recente liberação de R$ 67 milhões pela Conab para apoiar o escoamento de até 250 mil toneladas de trigo no RS e no Paraná reacendeu o debate sobre a viabilidade da triticultura. O motivo da medida foi a queda acentuada do preço, bem abaixo do mínimo oficial.

Para Márcio Irion, o trigo, há muito tempo, deixou de ser uma cultura altamente rentável no Estado.

“Na maioria das vezes, ele não se paga. O produtor planta trigo principalmente para cumprir o papel de cobertura de solo e preparação da lavoura de verão, especialmente da soja, que é quem realmente paga a conta”, explica.

O contraste histórico é evidente. Nas décadas de 1950 e 1960, o trigo sustentava a economia do Sul com forte apoio de políticas de preço mínimo e subsídios. Com a abertura comercial e o avanço do Mercosul, a cultura passou a disputar espaço com o produto importado, operando com margens apertadas e dependente de intervenções do Governo Federal.

Ainda assim, o cereal mantém importância estratégica na rotação de culturas, no manejo de doenças, na proteção do solo e na diluição de custos fixos ao longo do ano.

“O problema é que as compras governamentais apenas suavizam os efeitos, mas não atacam a causa. Sem incentivos estruturais, o produtor sempre ficará no limite da viabilidade”, avalia.

Se em algumas culturas o cenário é de preocupação, na vitivinicultura as perspectivas são otimistas. O Rio Grande do Sul estima uma safra recorde de 800 milhões de quilos de uva, 50 milhões a mais que no ciclo anterior. O Estado concentra 61,2% da produção nacional, com mais de 46 mil hectares plantados.

De acordo com Irion, as condições climáticas favoreceram a brotação, a floração e a sanidade das videiras, o que pode resultar, além do grande volume, em uvas de altíssima qualidade para vinhos finos e espumantes. “Se o clima colaborar no final do ano, teremos um produto excepcional”, projeta.

Entretanto, metade dessa produção é destinada ao suco de uva, segmento que apresentou retração no consumo em 2025. Uma supersafra sem estímulo ao consumo pode pressionar os preços e gerar prejuízos. O especialista defende a redução urgente da carga tributária sobre sucos, vinhos e espumantes para garantir escoamento, competitividade e novos investimentos.

Vinhos importados e carga tributária preocupam

Outro ponto levantado por Irion é a concorrência com os vinhos importados. Atualmente, cerca de 90% do vinho consumido no Brasil vem do exterior, muitos produzidos sob forte subsídio em seus países de origem. No Brasil, além da alta carga tributária, o vinho foi incluído no Imposto Seletivo da reforma tributária, o que, segundo ele, representa um retrocesso.

“O Governo falha ao tratar o vinho apenas como bebida alcoólica, quando deveria reconhecê-lo como produto alimentar, além de combater de forma mais efetiva o contrabando nas fronteiras”, afirma.

Serra Gaúcha mantém protagonismo, mas novas regiões crescem

A Serra Gaúcha segue como o coração da vitivinicultura nacional, sustentada pelo trabalho de gerações de produtores, investimentos em tecnologia, inovação e enoturismo. Ao mesmo tempo, regiões como a Campanha, os Campos de Cima da Serra e a Serra do Sudeste ganham espaço com vinhedos de alta qualidade e atração de novos investidores.

Para Irion, o futuro do setor depende da integração entre políticas estaduais e federais, além do fortalecimento da representação política.

Resiliência como marca do agro

Apesar das dificuldades, Márcio Irion avalia que o agro mantém sua força por meio da resiliência do produtor, do cooperativismo, da tecnologia e da gestão.

“O momento exige atenção redobrada, planejamento estratégico e segurança jurídica. Mas o agro segue sendo o principal motor econômico do Rio Grande do Sul e do Brasil”, conclui.