Opinião

Eles passarão

Eles passarão

Mário Quintana, possivelmente o poeta gaúcho que obteve maior reconhecimento e popularidade no Brasil, teve o azar de morrer logo depois das exéquias do maior ídolo brasileiro, Airton Senna. Naquela ocasião, o início de maio de 1994, o país acabar de vivenciar uma semana inteira de luto, lágrimas e transmissão full time despedindo-se de piloto.

Quando se resolveu levantar a cabeça e partir para a vida, vem a notícia da morte de Quintana. A morte de um velhinho e naquelas circunstâncias, diminuiu o impacto e as lágrimas escassearam.

Porque conto isto? Tento um paralelo com Brasília e com o sentimento das pessoas. O presidente mais impopular da história recente de república – dados do Ibope –  foi denunciado pela Procuradoria da República. Os indícios de crime são inequívocos e ainda assim o Congresso não admite que ele seja processado pelo STF. Houve certo constrangimento por parte dos deputados que disseram sim, querendo dizer não ao prosseguimento do processo (uma artimanha sem vergonha). “Sim, nós não queremos que Temer seja processado, ou seja concordamos que com relator que diz não ao prosseguimento da ação”. Coisa diabólica.

OK, deste Congresso corrupto não se poderia esperar muita coisa. Mas e o povo que foi às ruas contra a corrupção quando o alvo foi o PT? Quando se decidiu pelo impedimento de Dilma por algo que ninguém sabia o que era até então, mas soube-se depois, era corriqueiro, as tais pedaladas fiscais, naquela ocasião se votou pelo impeachmet atendendo à ânsia popular. Qual é a diferença de lá para cá?

Minha teoria- que não tem base científica – é o enfastio. Não haveria mais novidade em ir para a rua bater panelas. As bandeiras da conta de luz elevando o valor da conta, o tarifaço nos combustíveis ou mesmo a danosa reforma da previdência, não conseguem fazer as pessoas da classe média irem à varanda, bater panela, piscar luzes e vociferar. Em parte, porque não querem ser identificadas como mortadelas ou apoiadoras dos petralhas.

Por fim havia esta dúvida flutuando na cabeça dos cidadãos: tirar mais um presidente vai fazer mais bem ou mal ao futuro próximo do país? Há a certeza de que as reformas em curso prejudicarão os mais pobres, mas elas são vendidas como marcadores vitais de um novo futuro.

Talvez tudo isto se resuma a uma conclusão triste: depois da derrocada ética do PT, depois do pato amarelo da Fiesp, falta ao Brasil uma liderança inconteste para promover a mudança que o povo nem sabe ao certo qual seria, mas que ardentemente deseja.

Então, busquemos consolo no poeta Quintana: “Todos estes que estão aí atravancando meu caminho, eles passarão. Eu passarinho”.