Estamos oficialmente na primavera de 2023, que iniciou neste sábado (23) às 3h50 com o equinócio, marcando a transição para o verão. As estações do ano são fenômenos naturais e ocorrem devido à inclinação do eixo da Terra em relação ao plano de sua órbita em torno do Sol. O instante exato do início de uma estação do ano é determinado por uma posição específica da Terra em sua órbita, como explica a pesquisadora Josina Nascimento, da Coordenação de Astronomia e Astrofísica do Observatório Nacional.
“Para compreender o início das estações, é preciso imaginar a Terra parada e o Sol se movendo em relação a nós. Nessa perspectiva, o Sol percorre um caminho, que se chama eclíptica, e o instante do equinócio de setembro é aquele em que o Sol cruza o equador celeste, que é a extensão do equador terrestre, indo de Norte para Sul. No Hemisfério sul é o equinócio de primavera e no hemisfério norte é o equinócio de outono”.
As estações do ano são marcadas pela maneira como os raios solares incidem nos hemisférios. Além da temperatura, um dos efeitos que evidenciam as estações é a variação dos comprimentos dos dias, ou seja, a quantidade de tempo que o Sol fica acima do horizonte. Nas regiões próximas ao equador terrestre, esse efeito praticamente não existe. Quanto mais nos afastamos do equador terrestre, mais esse efeito torna-se evidente.
No início da primavera, os dias terão aproximadamente a mesma duração das noites, e no Hemisfério Sul, os dias vão ficando cada vez maiores e as noites decrescentes, até o dia com maior presença do Sol no ano, que ocorre no início do verão, que em 2023 será em 22 de dezembro às 0h27 (horário de Brasília).
El Niño mais forte
A primavera deste ano vai se dar sob a influência do episódio do fenômeno El Niño mais forte desde 2015. No fim do inverno, o El Niño apresentava moderada a forte intensidade. Ao longo da primavera, conforme a estação evolui, o El Niño tende a se intensificar e pode atingir forte a muito forte intensidade até seu pico no fim do ano.
O último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, indicou que a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 1,6 °C na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central. O valor está na faixa de El Niño forte (+1,5 °C a +1,9 °C). A última vez que esta área do Pacífico esteve tão quente foi em março de 2016, no episódio do Super El Niño de 2015 – 2016.
Por outro lado, a região Niño 1 + 2, estava com anomalia de +2,6 °C, ao nível de El Niño costeiro intenso junto ao Peru e Equador, aquecimento extremo do oceano na região que iniciou no mês de fevereiro. O valor neste final do inverno, porém, estava abaixo do pico registrado de +3,5 °C, em julho deste ano.
Chuva na primavera e risco de enchentes
A tendência para a primavera deste ano é de chuva acima a muito acima da média na maior parte do Sul do Brasil por conta da influência do fenômeno El Niño. Espera-se uma repetição do padrão observado em anos como de 1997, 2009 e 2015 com grandes excessos de chuva, em particular no Rio Grande do Sul, em que alguns meses podem terminar com até o dobro ou triplo da precipitação média histórica mensal.
Por outro lado, na maior parte do Centro-Oeste e do Sudeste do Brasil a tendência sazonal indica uma primavera com precipitações abaixo a muito abaixo da média. Pontos mais ao Sul das duas regiões, sobretudo do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, é que podem ter estação com precipitação perto ou acima da média. Episódios isolados de precipitação volumosa em curto intervalo, acompanhando sistemas convectivos, podem contribuir para algumas áreas do Centro-Oeste e do Sudeste terem chuva acima da média, mas poucas.
O Rio Grande do Sul é o estado que mais preocupa no Sul do Brasil nesta nova estação. Isso porque o mês de setembro terminará com volumes extraordinariamente altos no estado e com os níveis dos rios acima a muito acima dos seus níveis normais.
A tendência de uma primavera mais chuvosa e com excessos de precipitação agrava demasiadamente os riscos hidrológicos, assim que novas enchentes devem ser esperadas e com risco de serem de grandes proporções. O Oeste gaúcho, até agora poupado de grandes cheias no Rio Uruguai, será região do estado onde o risco de enchentes aumentará muito ao longo desta primavera.
Há uma mudança no regime de chuva no Centro-Sul do Brasil na primavera. No Centro do Brasil, a estação seca com seu auge no inverno chega ao fim e a chuva começa a se tornar mais frequente à medida que a estação avança com maior influência de ar tropical quente e úmido. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem média histórica de chuva de apenas 83,3 mm em setembro na estação do Mirante de Santana e de 143,9 mm em novembro.
Já mais ao sul do Brasil, na segunda metade da estação, a chuva passa a ocorrer também pela combinação de calor e umidade, a famosa chuva de verão, especialmente de novembro em diante, o que não ocorre na maior parte do ano em que as precipitações são dependentes de sistemas de grande escala como frentes fria, frentes quentes e áreas de baixa pressão.
Temperatura na estação
Como estação de transição para o verão, na primavera aumenta a frequência de dias de calor e diminui os de frio. O começo da estação ainda tem características mais amenas e até com frio em alguns dias, ao passo que o final já tem padrão típico de verão. Os dias de calor aumentam, especialmente entre novembro e dezembro, quando algumas jornadas são muito quentes, com possibilidade de ondas de calor e marcas perto ou acima de 40 °C.
A tendência é de uma primavera com temperatura acima a muito acima da média em quase todo ou mesmo em todo o Centro-Sul do Brasil. Onde a temperatura deve ficar mais acima da média é no Centro-Oeste e no Sudeste, onde é possível que em várias cidades a primavera deste ano seja a mais quente ou a segunda mais quente já observada desde o começo dos registros há um século no Brasil, ou seja, será uma estação excepcionalmente quente.
A alta frequência de chuva dificulta a ocorrência de ondas de calor de mais longa duração no Sul do Brasil, mas, por outro lado, a maior umidade tornará os dias mais abafados e com noites mais quentes. Em novembro e dezembro cresce o risco de episódios de calor muito intenso a extremo de calor que podem caracterizar ondas de calor no Sul.
No Centro-Oeste e no Sudeste, ao contrário, há uma probabilidade maior de fortes a intensas ondas de calor com extremos até históricos de temperatura. O período mais crítico para estes extremos de temperatura será compreendido entre este final de setembro e novembro, uma vez que a partir de dezembro a maior ocorrência de chuva torna menos provável eventos de temperatura muito acima do normal por longas sequências de dias.
Temporais serão mais frequente nessa primavera
A MetSul destaca que a primavera é período com maior frequência de tempestades, não raro severas, com intensos vendavais e granizo. Há precedentes de tornados na estação. Neste ano, com o Pacífico aquecido e uma tendência de temperatura e chuva acima da média no Sul do Brasil, a MetSul avalia que a frequência de tempestades pode ser muito alta no Sul do Brasil.
Espera-se, por exemplo, que ocorra com frequência maior do que o habitual um sistema típico da primavera que são os Complexos Convectivos de Mesoescala, aglomerados de nuvens muito carregadas que se formam com o calor úmido no Nordeste da Argentina e no Paraguai que avançam para o Mato Grosso do Sul e o Sul do Brasil. Este tipo de sistema, com ápice de intensidade à noite, costuma trazer muita chuva com volumes altíssimos em curto período e temporais de vento, raios e granizo.
O tempo muito mais quente que o normal no Centro-Oeste e no Sudeste, mesmo que haja um indicativo de chuva abaixo da média na maior parte destas regiões, deverá favorecer uma maior frequência de tempestades isoladas também no Centro do Brasil durante a primavera deste ano. São formações que se dão principalmente à tarde e à noite pela convecção gerada pelo calor muito intenso, capazes de trazer vendavais, granizo e chuva torrencial.
Estação costuma ter mais vento
Uma condição típica da primavera no Rio Grande do Sul é o vento que sopra da tarde para a noite do quadrante Leste, às vezes com rajadas fortes. Como as massas de ar frio de alta pressão atmosférica começam a ter trajetória mais oceânica e o continente passa a aquecer mais com baixas pressões no Norte da Argentina e no Paraguai.
O contraste térmico entre ar frio na costa e ar quente no continente, assim como de pressão, acentua o vento da tarde para a noite do quadrante Leste, sobretudo em outubro e novembro, o que rendeu a expressão popular de “Vento de Finados”. Neste ano, como se espera uma menor frequência de incursões frias, o vento Leste da tarde para a noite será menos frequente que em anos anteriores de La Niña e muitas incursões frias tardias.
A estação ainda tem risco de ciclones extratropicais no Atlântico Sul e que, em alguns casos, podem ser intensos e provocar muito vento e forte ressaca do mar na costa gaúcha. Com El Niño, contudo, o risco destes ciclones é maior no inverno e menor na primavera, uma vez que o predomínio de ar mais quente nas latitudes médias resultará em menor contraste com massas de ar frio (baroclinia), o mecanismo que forma os ciclones.
Fonte: MetSul Meteorologia