
Aristóteles, Filósofo da Grécia Antiga, dizia que felicidade poderia ser definida como “carência de nada”. Um sentimento de plenitude, de nada necessitar: quando nada falta e nada sobra, quer no plano material quer no plano espiritual, para um ser humano (o único ente que pode ser feliz, porque dotado de consciência moral e livre arbítrio).
Se eu conceber essa premissa como correta, preciso concordar que, quando a gente é criança, a gente não é e nem pode ser feliz. Uma criança não pode ser feliz porque não tem consciência moral nem livre arbítrio, e muito menos responsabilidade (decorrente da liberdade).
Ela pode ser alegre, serelepe, mas lhe falta tudo, sendo um ser absolutamente dependente de cuidados e provimentos de terceiros para o seu desenvolvimento. O homem não nasce livre como muitos bradam ilusoriamente. Basta olhar para a realidade que nos circunda: nasce absolutamente dependente de outros, de regra, dos pais e, adiante, de outros estratos socias. Por quê? Porque o ser humano é um ser social por natureza. O tal “contrato social” é mito: uma ficção. Talvez o homem seja o ser mais dependente que existe na face da terra.
Crescemos e nos tornamos jovens. Mas, ao contrário do que pensou Aristóteles, somos carentes de tudo. Nada nos é suficiente. E queremos tudo e ao mesmo tempo. Sentimo-nos imortais. Não nos assola a ideia de finitude de vida. Não há cansaço; varamos as noites, se preciso for, atrás da felicidade, e não sabendo bem onde ela está, buscamo-la por toda parte.
Nada nos torna plenos. Vinte quatro horas por dia não nos são suficientes para tanta busca. E, como somos seres desejantes, nem bem nos defrontamos com algo que nos permite dizer: “agora, estou pleno e feliz”, e já percebemos que é pouco. Queremos mais; queremos outra coisa. Nunca estamos inteiramente satisfeitos e isso foi bem detectado por Arthur Schopenhauer (filósofo alemão do Século XIX, autor, dentre outras, da obra “O mundo como verdade e representação”), um pessimista (ou realista?), ao concluir que a vida é sofrimento.
À determinada altura, nos tornamos pais e mães também. Já não somos só nós e sentimos (de regra, pois há pais irresponsáveis e até assassinos), a responsabilidade pela vida daqueles que trazemos ao mundo. Nós mesmos já não somos o centro de referência do nosso universo. A plenitude aparece aí sob outra configuração: não nos importa mais se somos carentes de tudo, desde que nossos filhos não o sejam. As necessidades deles são a nossa prioridade. Quem sabe, se sobrar tempo, vamos pensar em outra conformação de felicidade para nós, pois, nessa fase, ela está confinada nas necessidades e nas alegrias que podemos propiciar aos nossos filhos.
Mas eles crescem e nós nos tornamos maduros e até idosos. E nos questionamos: quando virá aquele sentimento que nos torna carentes de nada? Nunca chegará? Sim, porque, aí, já não nos interessa a “vida loka” (ao melhor modelo nietzschiano, como se não houvesse o amanhã). Queremos sossego, mas ele também não vem.
Paradoxalmente, o amanhã é incerto, não porque nos damos conta da finitude da vida, mas porque é incerto mesmo. Sempre foi, embora a gente possa e deva, ao logo da vida, projetá-lo e construí-lo, porque temos imaginação e intelecto, pena de termos nos contentar com qualquer coisa.
O que nos resta? Pensando só comigo, sem a pretensão de estar certa ou de ter o monopólio da verdade, acho que só nos resta mudar o conceito de plenitude e de felicidade, primeiro, tirando-lhes o caráter de “perene” e de “dever”, aliviando nossos ombros dessa exigência individual e social de sermos felizes e plenos o tempo todo.
Depois, acho que precisamos, do mesmo modo, creditar valor não só aos momentos em que eles existiram e existem em nossas vidas (os momentos em que fomos e somos felizes e plenos), como valorizar os momentos em que não fomos ou somos, em que experimentamos perdas, dor e sofrimento, porque eles também integram a natureza humana. A uma, porque eles também não durarem para sempre; e, a duas, que eles nos dão o referencial de felicidade, nos permitindo identificar aqueles momentos em que fomos ou estamos carentes de nada. Faltou à ideia de Aristóteles a dinâmica do movimento neste aspecto.