O Diretor de Infraestrutra da Federação das Empresas de Logística de Transporte de Cargas do Rio Grande do Sul (Fetransul) é um crítico do modelo de concessão definido pelo governo gaúcho para o bloco 3 de rodovias do estado, que compreende as estradas estaduais da Serra Gaúcha. Para ele, o modelo privilegia a visão dos investidores, e cobra um alto preço dos usuários das rodovias. Nesta entrevista, provocada pela entrada em vigor do novo valor do pedágio na Praça de Portão, na RS-240, com um aumento de 83% em relação ao praticado pela EGR, que inaugura a concessão das rodovias serranas para a empresa Caminhos da Serra Gaúcha (CSG), Ziegler afirma que a concessão foi um fracasso do interesse público, e que o governo tinha a possibilidade de não aceitar a proposta e cancelar a licitação, mas optou por manter o modelo.
Como a Fetransul avalia este aumento e qual o impacto deste reajuste no valor do pedágio em Portão?
Paulo Ziegler: Não se trata de um reajuste. A maioria das rodovias envolvidas estava sob administração da EGR, uma empresa pública. Esta gestão arrecadava pedágio para manter as rodovias abrangidas por suas operações. Em novas circunstâncias, o governo do Rio Grande do Sul formou um conjunto de rodovias (bloco 3) para conceder à iniciativa privada por 30 anos. E a concessionária terá o compromisso de duplicar parte desta malha, fazer terceiras pistas em trechos de serra, além de inúmeras intersecções de acesso a municípios. Também, por óbvio, vai manter o pavimento e prestar serviços de guincho e ambulância. Portanto, o escopo de empreendimento é diverso das condições anteriores. Não é correto interpretar como um simples reajuste. É uma nova realidade.
Qual a sua avaliação sobre o modelo da concessão para a CSG?
Paulo Ziegler: A concessão em si, não é uma escolha simples do governo. Houve uma licitação. E apenas uma empresa se habilitou. E a falta de concorrência levou a que esta empresa não oferecesse desconto na tarifa base da concorrência. Isso agravou substancialmente o valor do pedágio. O preço médio praticado no mercado do Rio Grande do Sul é cerca de 30% inferior. Portanto, do ponto de vista dos usuários destas rodovias, que serão aqueles que vão manter esta operação, é muito oneroso. E por 30 anos, são valores elevados: entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão a mais.
O senhor faz críticas ao modelo?
Paulo Ziegler: O emprego de capital privado para atender a infraestrutura rodoviária é uma alternativa apreciável, sobretudo se o governo não tem recursos suficientes para atender. Porém é importante que sejam observados com equilíbrio os interesses do investidor e do usuário, pois é ele, e não o governo, quem vai pagar esta conta. Em resumo: é preciso estabelecer uma relação custo x benefício bem ajustada, tendo o cuidado de formalizar contratos que mantenham efetivo controle público sobre as operações.
A concessão do bloco 3 foi um sucesso para o governo?
Paulo Ziegler: A concessão foi um fracasso do interesse público. O Governo tinha a possibilidade de não aceitar a proposta e cancelar a licitação. Mas não exerceu esta opção. Alegou que desgastaria sua imagem neste mercado de empreiteiras de rodovias. Tinha a opção de defender a economia popular e a sociedade, mas fez outra escolha.
Como assim?
Paulo Ziegler: Para te trazer dados mais claros quanto a números, a CCR Viasul opera um conjunto de rodovias federais no estado. Está duplicando a BR-386 entre Lajeado e Carazinho. O pedágio cobra R$ 0,11 por quilômetro. A Caminhos da Serra já larga com tarifa de R$ 0,17 por quilômetro. E o empreendimento é algo idêntico ao da CCR.
Há estudos apontando os impactos no valor dos fretes rodoviários?
Paulo Ziegler: Impacto no valor do frete é muito variável. Cargas com menor valor agregado há maior incidência sobre o valor dos produtos. E o inverso também acontece. A melhor análise é uma comparação com o consumo de combustível de qualquer veículo. Seja caminhão ou automóvel.
Podemos genericamente afirmar que além de R$ 0,11 ou R$ 0,12 por quilômetro estamos sendo agravados na relação custo-benefício. Vale ressaltar que o transportador não paga o pedágio. Quem paga é o contratante do frete. Portanto, é um custo que onera os produtos.
A Fetransul já manifestou contrariedade ao modelo de concessão do Bloco 3 das rodovias gaúchas. Há encaminhamentos para revisão do modelo?
Paulo Ziegler: Revisão de contratos sempre poderá existir. Mas todas as considerações vão sempre partir de uma tarifa alta. E a concessionária tem um direito adquirido. Pouco pode se fazer para mitigar estas tarifas. O emprego do sistema free-flow pode simplificar meios de cobrança e estabelecer tarifas menores para aqueles que usarem trechos menores das rodovias concedidas. Mas, ao que sabemos, não há previsão contratual para sua implantação. Isso, por si só, é um erro. Quem pode imaginar veículos transitando por praças de pedágio daqui a 10 ou 15 anos? E já existe lei para atender a esta possibilidade.
O senhor pode explicar melhor?
Paulo Ziegler: O subsídio cruzado fica evidente quando se verifica que as melhorias necessárias numa via são em valor muito inferior ao que vai se arrecadar na praça de pedágio. Isso significa que vai arrecadar ali e usar em outra rodovia. Isso é injusto e incondizente com uma relação de consumo: você deve pagar apenas aquilo que usou ou lhe trouxe benefício. Já quanto ao free-flow, trata-se de uma modalidade de cobrança sem as tradicionais cabines ou praças de pedágio. Arcos na via, instalados a cada um ou dois km, por exemplo, vão medindo a passagem e descontando frações de cobrança via tags instaladas nos veículos. Isso é mais justo (paga-se apenas o que se usa), é muito mais barato para cobrar, pois não existem funcionários 24hs em cabines, etc…. E já há previsão legal para seu uso. É uma forma boa para todos os envolvidos: concessionários e usuários. E certamente poderia baratear as tarifas, por reduzir os custos operacionais.
Resumindo, o modelo foi mal formulado, em sua avaliação…
Paulo Ziegler: Temos a clara impressão que este Programa foi concebido por um olhar dos investidores. A empresa contratada (Plano Engenharia) tem como clientes as grandes empreiteiras do Brasil. As cidades envolvidas, a sociedade e as forças econômicas locais e regionais não foram ouvidas ou consultadas. Isso explica os impasses que hoje se verifica. Poderia ter havido um caminho melhor para se buscar esta solução de privatização.