Dia desses, uma advogada colega de escritório compartilhou conosco uma discussão jurídica, porque, em um grupo de WhatsApp criado como foro de debates e troca de conhecimentos em matéria de Família e Sucessões, alguém referiu que estava redigindo uma Escritura Particular para a lavratura de um pacto antenupcial em regime de separação convencional de bens, mas estava em dúvida quanto à inserção, no documento, de uma cláusula “de” renúncia ao exercício real de habitação ao cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente. O profissional estava receoso de o pacto não ser lavrado pelo Cartório de Registros, por afronta ao Direito de Petição.
Para tornar mais simples a compreensão, o Direito Real de Moradia nada mais é do que o direito de o cônjuge que sobreviveu seguir morando na residência familiar do casal enquanto estiver vivo, ou seja, depois que o outro morreu, conquanto não se case de novo ou estabeleça nova união estável.
Vejam que a Lei n.º 9.278/96, em seu artigo 7.°, parágrafo único, diz que: “Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. E o direito em questão não depende de estar ou não concluída a partilha dos bens do falecido e do bem em que residiam como imóvel familiar.
Em outras palavras, isso quer dizer que, enquanto o companheiro/cônjuge viver, depois do falecimento do outro, poderá residir no imóvel familiar, conquanto não se case de novo ou não venha a constituir uma união estável com outra pessoa. Bem simples.
Resta a questão de saber se, em um pacto antenupcial (que só terá validade se o a casamento ou a união estável sobrevier), é possível às partes, no exercício da sua autonomia da vontade, renunciar ao tal direito real de moradia, assumindo, reciprocamente, que não ingressarão com qualquer medida judicial, a fim de continuar morando no imóvel do casal.
Penso que a resposta correta, primeiro, passa pela análise da natureza do direito que a norma intenta realizar (a proteção cônjuge ou do parceiro sobrevivente). Isto é: teremos de indagar: isso pode ser renunciado de antemão? Está na esfera de disponibilidade das pessoas negociarem essa proteção legal e, também, ao próprio direito de ir a juízo pedir um pronunciamento da Jurisdição?
Da renúncia ao Direito Real de Moradia, ainda tenho dúvidas, frente à norma que proíbe negociação de herança entre pessoas vivas (que podem deixar, não obstante, testamento). Agora, ajustar, de antemão, renúncia ao direito de ir buscar um pronunciamento judicial, quanto a isso, tenho convicção de ser algo que não é possível fazer, com base no artigo 5.°, inciso XXXV, da Constituição, que trata do “Princípio da Inafastável da Jurisdição”, segundo o qual nenhum direito ou ameaça de lesão a direito serão suprimidos de apreciação pelo Poder Judiciário.
Seria como convencionar algo mais ou menos assim: “eu assumo os deveres da paternidade, mas você ajusta comigo que nunca irá buscar a correspondente declaração de paternidade em juízo”. A convenção é nula de pleno direito.
Sempre vale o debate. E, se você tiver dúvidas, contate o Portal LEOUVE. Farei o possível para esclarecer em manifestações futuras, sem revelar nomes e a fonte.