Bento Gonçalves

Diogo Siqueira aposta em novo projeto para não perder mais de R$ 4 milhões

Prefeitura de Bento Gonçalves aguarda nova aprovação da Caixa para retomar construção de bloco cirúrgico e não ter de devolver dinheiro ao governo federal

Obras do bloco cirúrgico foram suspensas em setembro por erros técnicos
Obras do bloco cirúrgico foram suspensas em setembro por erros técnicos

Depois de tomar posse nesta sexta-feira, dia 1º de janeiro de 2021, o novo prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi Siqueira, começará uma corrida contra o tempo para não perder um investimento de quase R$ 4,5 milhões contratados com o governo federal exatamente há nove anos. Ele terá 120 dias para não perder todo o investimento e ainda ter de devolver R$ 2,25 milhões liberados desde 2011, dos quais pelo menos R$ 950 mil já foram gastos –, o novo governo terá que demonstrar habilidade para construir uma solução até o final do próximo abril por não ter usado o dinheiro a tempo. A prefeitura alega que já encaminhou um novo projeto para a Caixa, e que já teria uma nova aprovação, mas a informação ainda não é oficial no site da instituição.

O problema é bastante conhecido de Siqueira, e até se pode dizer que ele está diretamente envolvido, a medida em que até seis meses atrás era o secretário de Saúde da cidade: trata-se do impasse envolvendo a construção de oito salas do bloco cirúrgico ligado ao complexo de saúde que está sendo construído junto à UPA24h, paralisada desde setembro e sem data para recomeçar.

Obras do bloco cirúrgico foram suspensas em setembro por erros técnicos

Diferentemente do que o prefeito afirmou quando ainda era candidato em um dos debates da disputa eleitoral de novembro, o risco de perder os recursos é real, e foi provocado principalmente por falhas no projeto, segundo apontou o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) em julho. Meses depois, Siqueira afirmou no debate que “o bloco está em requalificação financeira, está dentro da Caixa Federal, e vai ser licitado mais uma vez. Não existe nenhum erro e nenhum risco de devolução dos recursos”, disse em resposta ao questionamento de outro candidato. Mas as coisas não são bem assim.

Risco real e imediato

Conforme o contrato da Caixa Federal 0374024-71, a obra, paralisada em fase inicial desde que a prefeitura rescindiu o contrato com a construtora Febeal no dia 18 de setembro de 2020, precisa estar concluída, entregue e com as contas aprovadas até o final de abril de 2021. A data de carência do projeto é o dia 30 de abril de 2021. Caso o dinheiro não tenha sido utilizado até essa data, ele não estará mais disponível para o município. Hoje, os valores já estão bloqueados.

Consulta ao site da Caixa não mostra novas movimentações e prazos

O Ipurb alertou a prefeitura da impossibilidade de cumprir o cronograma em julho, no ofício 352/2020, que motivou a paralisação das obras em setembro e que aponta pelo menos dois erros no projeto apresentado pela prefeitura: um deles é a inexistência de uma interligação da nova rede de gás medicinal que vai atender as salas de cirurgia com a rede já existente na UPA24h, o que obrigará a recalcular a metragem da rede; o outro é que o projeto não calculou a necessidade correta de escavação da rocha no local da obra; o que exigiu um número maior de detonações, causando atrasos e custos não previstos.

Documento do Ipurb apontou falhas técnicas e provocou suspensão da obra

O problema pegou de surpresa a prefeitura, que contava com um prazo bem estreito para concluir a obra até o início de 2021. Mas, informada da situação em julho, demorou dois meses para rescindir o contrato com a construtora e, cinco meses depois, não conseguiu retomar as obras e o trabalho realizado está abandonado.

Prefeitura aposta em novo projeto e renegociação

A esperança da prefeitura para garantir os mais de R$ 4 milhões para a conclusão do bloco cirúrgico está em conseguir aprovar um novo projeto na Caixa Federal, com a definição de um novo prazo para a utilização dos recursos e, de preferência, com a correção dos valores. De acordo com a diretora adjunta do Ipurb, Melissa Gauer, o novo projeto já teria recebido sinalização positiva da Caixa, mas no site da instituição não constam alterações.

Renegociar com o governo federal deve mesmo ser a única saída para o impasse, uma vez que a hipótese de aprovar novo projeto, licitar e contratar a obra, construir as instalações e prestar contas de tudo até 30 de abril não parece muito provável. Para o Ipurb, um prazo de oito meses é considerado possível de ser obedecido para a conclusão das obras. A intenção da prefeitura é acertar o novo contrato para publicar um novo edital de licitação ainda em janeiro.

A tarefa, ainda que possível, não deverá ser das mais fáceis. Será preciso convencer o governo federal de que foi impossível concluir a obra em quase dez anos. O novo prefeito poderia aproveitar e explicar como isso ocorreu também aos cidadãos bento-gonçalveses, e aproveitar para explicar o que quis dizer com “requalificação financeira” pela qual estaria passando o projeto e como ele “vai ser licitado mais uma vez”, como disse em campanha.

Aniversário e ritmo lento

O erro no projeto pode custar muito caro, mas não explica totalmente como um projeto dessa importância – a conclusão do bloco cirúrgico deve permitir a realização de mais de 500 novas cirurgias ao mês na cidade – demorou tanto tempo para ser realizado a ponto de correr riscos de não sair do papel.

O contrato com a Caixa fez aniversário nesta segunda-feira, dia 28 de dezembro: nove anos desde que foi aprovado como parte da segunda fase de projetos encaminhados pela administração de Roberto Lunelli para a construção do então nomeado Complexo de Saúde do Trabalhador (CST), que começava a sair do papel em 2011 com o início da construção da UPA.

Aprovação do projeto ocorreu em 2011

Desde lá, a construção do centro cirúrgico passou por pelo menos três licitações, esperou três anos pela liberação da primeira parcela e outros dois anos para concluir um projeto de construção, que só foi aprovado em 2017. Mais um ano para conseguir realizar uma licitação com sucesso, o resultado é que as obras iniciam apenas em 2019 e ainda não estão 30% concluídas.

Da fase 1, o centro de material esterilizado, banheiros e vestiários, salas administrativa e para descanso médico estão em ritmo de conclusão. Mas a fase 2, que prevê a construção das oito salas de cirurgia, de sala de preparo e banheiro para pacientes, sala de recuperação após anestesia, departamento médico legal, farmácia, área de transferência de pacientes, depósito e sala de utilidades, além de sala de armazenagem e distribuição de materiais e roupas esterilizadas ainda não passa das fundações.

A capacidade de atendimento mensal do centro cirúrgico ainda não está calculada, mas, para em comparação, o Hospital Pompéia, em Caxias do Sul, com 10 salas cirúrgicas, realiza cerca de mil operações por mês, eletivas e de urgência, entre pacientes do SUS e de planos privados.

Novo orçamento prevê custo de R$ 450 mil a mais

Caso a prefeitura tenha sucesso e consiga aprovar um novo projeto e manter o contrato com o governo federal, a obra vai custar cerca de R$ 450 mil a mais do que previa o orçamento original, segundo um novo orçamento, feito em maio pelo Ipurb, que calcula em R$ 3,4 milhões o custo para retomar e concluir as obras nas condições atuais.

Depois da conclusão do bloco cirúrgico, que a administração pública espera poder anunciar em oito meses após a publicação de um novo edital de licitação, a fase final da construção do complexo hospitalar incluirá a finalização do prédio de leitos e a construção de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

Todo o projeto de construção do hospital público é complexo e, depois de passar por paralisações, atrasos e readequações, avança hoje lentamente, prestes a completar 10 anos do início das primeiras obras. Além da UPA24h, concluída em 2015 e que será a porta de entrada para o hospital quando ele estiver funcionando, o complexo já conta com as áreas de exames clínicos, o centro de especialidades odontológicas, o laboratório de patologia e análises clínicas concluídas, e este ano o acabamento externo e a instalação de 40 leitos do prédio de internação, que contou com doações da comunidade, foram realizados por conta da emergência da pandemia da Covid-19.

O projeto do complexo hospitalar prevê a disponibilização de 240 leitos, e a forma de administração ainda está sendo estudada. Uma opção é fazer uma parceria com uma universidade, semelhante ao que ocorre no Hospital Geral de Caxias do Sul, que é gerenciado pela UCS. Outras alternativas são a gestão totalmente pública ou compartilhada com o setor privado.

Mas, antes de tomar essas decisões, será preciso concluir o complexo hospitalar. Para isso, vai ter que arrumar a casa e mostrar habilidade política para reverter a situação e não perder os recursos, o que pode colocar todo o projeto do hospital em risco, simplesmente porque não usou a tempo o dinheiro que ganhou.