Depois de tomar posse nesta sexta-feira, dia 1º de janeiro de 2021, o novo prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi Siqueira, começará uma corrida contra o tempo para não perder um investimento de quase R$ 4,5 milhões contratados com o governo federal exatamente há nove anos. Ele terá 120 dias para não perder todo o investimento e ainda ter de devolver R$ 2,25 milhões liberados desde 2011, dos quais pelo menos R$ 950 mil já foram gastos –, o novo governo terá que demonstrar habilidade para construir uma solução até o final do próximo abril por não ter usado o dinheiro a tempo. A prefeitura alega que já encaminhou um novo projeto para a Caixa, e que já teria uma nova aprovação, mas a informação ainda não é oficial no site da instituição.
O problema é bastante conhecido de Siqueira, e até se pode dizer que ele está diretamente envolvido, a medida em que até seis meses atrás era o secretário de Saúde da cidade: trata-se do impasse envolvendo a construção de oito salas do bloco cirúrgico ligado ao complexo de saúde que está sendo construído junto à UPA24h, paralisada desde setembro e sem data para recomeçar.
Diferentemente do que o prefeito afirmou quando ainda era candidato em um dos debates da disputa eleitoral de novembro, o risco de perder os recursos é real, e foi provocado principalmente por falhas no projeto, segundo apontou o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) em julho. Meses depois, Siqueira afirmou no debate que “o bloco está em requalificação financeira, está dentro da Caixa Federal, e vai ser licitado mais uma vez. Não existe nenhum erro e nenhum risco de devolução dos recursos”, disse em resposta ao questionamento de outro candidato. Mas as coisas não são bem assim.
Risco real e imediato
Conforme o contrato da Caixa Federal 0374024-71, a obra, paralisada em fase inicial desde que a prefeitura rescindiu o contrato com a construtora Febeal no dia 18 de setembro de 2020, precisa estar concluída, entregue e com as contas aprovadas até o final de abril de 2021. A data de carência do projeto é o dia 30 de abril de 2021. Caso o dinheiro não tenha sido utilizado até essa data, ele não estará mais disponível para o município. Hoje, os valores já estão bloqueados.
O Ipurb alertou a prefeitura da impossibilidade de cumprir o cronograma em julho, no ofício 352/2020, que motivou a paralisação das obras em setembro e que aponta pelo menos dois erros no projeto apresentado pela prefeitura: um deles é a inexistência de uma interligação da nova rede de gás medicinal que vai atender as salas de cirurgia com a rede já existente na UPA24h, o que obrigará a recalcular a metragem da rede; o outro é que o projeto não calculou a necessidade correta de escavação da rocha no local da obra; o que exigiu um número maior de detonações, causando atrasos e custos não previstos.
O problema pegou de surpresa a prefeitura, que contava com um prazo bem estreito para concluir a obra até o início de 2021. Mas, informada da situação em julho, demorou dois meses para rescindir o contrato com a construtora e, cinco meses depois, não conseguiu retomar as obras e o trabalho realizado está abandonado.
Prefeitura aposta em novo projeto e renegociação
A esperança da prefeitura para garantir os mais de R$ 4 milhões para a conclusão do bloco cirúrgico está em conseguir aprovar um novo projeto na Caixa Federal, com a definição de um novo prazo para a utilização dos recursos e, de preferência, com a correção dos valores. De acordo com a diretora adjunta do Ipurb, Melissa Gauer, o novo projeto já teria recebido sinalização positiva da Caixa, mas no site da instituição não constam alterações.
Renegociar com o governo federal deve mesmo ser a única saída para o impasse, uma vez que a hipótese de aprovar novo projeto, licitar e contratar a obra, construir as instalações e prestar contas de tudo até 30 de abril não parece muito provável. Para o Ipurb, um prazo de oito meses é considerado possível de ser obedecido para a conclusão das obras. A intenção da prefeitura é acertar o novo contrato para publicar um novo edital de licitação ainda em janeiro.
A tarefa, ainda que possível, não deverá ser das mais fáceis. Será preciso convencer o governo federal de que foi impossível concluir a obra em quase dez anos. O novo prefeito poderia aproveitar e explicar como isso ocorreu também aos cidadãos bento-gonçalveses, e aproveitar para explicar o que quis dizer com “requalificação financeira” pela qual estaria passando o projeto e como ele “vai ser licitado mais uma vez”, como disse em campanha.
Aniversário e ritmo lento
O erro no projeto pode custar muito caro, mas não explica totalmente como um projeto dessa importância – a conclusão do bloco cirúrgico deve permitir a realização de mais de 500 novas cirurgias ao mês na cidade – demorou tanto tempo para ser realizado a ponto de correr riscos de não sair do papel.
O contrato com a Caixa fez aniversário nesta segunda-feira, dia 28 de dezembro: nove anos desde que foi aprovado como parte da segunda fase de projetos encaminhados pela administração de Roberto Lunelli para a construção do então nomeado Complexo de Saúde do Trabalhador (CST), que começava a sair do papel em 2011 com o início da construção da UPA.
Desde lá, a construção do centro cirúrgico passou por pelo menos três licitações, esperou três anos pela liberação da primeira parcela e outros dois anos para concluir um projeto de construção, que só foi aprovado em 2017. Mais um ano para conseguir realizar uma licitação com sucesso, o resultado é que as obras iniciam apenas em 2019 e ainda não estão 30% concluídas.
Da fase 1, o centro de material esterilizado, banheiros e vestiários, salas administrativa e para descanso médico estão em ritmo de conclusão. Mas a fase 2, que prevê a construção das oito salas de cirurgia, de sala de preparo e banheiro para pacientes, sala de recuperação após anestesia, departamento médico legal, farmácia, área de transferência de pacientes, depósito e sala de utilidades, além de sala de armazenagem e distribuição de materiais e roupas esterilizadas ainda não passa das fundações.
A capacidade de atendimento mensal do centro cirúrgico ainda não está calculada, mas, para em comparação, o Hospital Pompéia, em Caxias do Sul, com 10 salas cirúrgicas, realiza cerca de mil operações por mês, eletivas e de urgência, entre pacientes do SUS e de planos privados.
Novo orçamento prevê custo de R$ 450 mil a mais
Caso a prefeitura tenha sucesso e consiga aprovar um novo projeto e manter o contrato com o governo federal, a obra vai custar cerca de R$ 450 mil a mais do que previa o orçamento original, segundo um novo orçamento, feito em maio pelo Ipurb, que calcula em R$ 3,4 milhões o custo para retomar e concluir as obras nas condições atuais.
Depois da conclusão do bloco cirúrgico, que a administração pública espera poder anunciar em oito meses após a publicação de um novo edital de licitação, a fase final da construção do complexo hospitalar incluirá a finalização do prédio de leitos e a construção de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Todo o projeto de construção do hospital público é complexo e, depois de passar por paralisações, atrasos e readequações, avança hoje lentamente, prestes a completar 10 anos do início das primeiras obras. Além da UPA24h, concluída em 2015 e que será a porta de entrada para o hospital quando ele estiver funcionando, o complexo já conta com as áreas de exames clínicos, o centro de especialidades odontológicas, o laboratório de patologia e análises clínicas concluídas, e este ano o acabamento externo e a instalação de 40 leitos do prédio de internação, que contou com doações da comunidade, foram realizados por conta da emergência da pandemia da Covid-19.
O projeto do complexo hospitalar prevê a disponibilização de 240 leitos, e a forma de administração ainda está sendo estudada. Uma opção é fazer uma parceria com uma universidade, semelhante ao que ocorre no Hospital Geral de Caxias do Sul, que é gerenciado pela UCS. Outras alternativas são a gestão totalmente pública ou compartilhada com o setor privado.
Mas, antes de tomar essas decisões, será preciso concluir o complexo hospitalar. Para isso, vai ter que arrumar a casa e mostrar habilidade política para reverter a situação e não perder os recursos, o que pode colocar todo o projeto do hospital em risco, simplesmente porque não usou a tempo o dinheiro que ganhou.