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'Desafios' das redes sociais: Como proteger jovens e crianças das armadilhas na internet

A adolescente Milagros Soto foi encontrada morta após participar do ‘desafio do apagão’ no TikTok

'Desafios' das redes sociais: Como proteger jovens e crianças das armadilhas na internet
Foto: Internet


O dia 13 de janeiro de 2023 era uma sexta-feira comum de verão na cidade de Capitán Bermúdez, na província de Rosário, região central da Argentina. A adolescente Milagres Soto, de 12 anos, foi até o seu quarto com a intenção de participar de mais uma “trend” do TikTok. O desafio proposto na rede social consistia em um autoenforcamento. Amarrar um lenço em torno do pescoço e prendê-lo de forma a se autossufocar, até quase perder a consciência.

O “desafio do apagão” como está sendo chamado se tornou um viral na rede social. Centenas de jovens, crianças e adolescente tentava replicar o ato, com a suposta intenção de alcançar um estado de euforia, pela falta de oxigenação no cérebro. Tudo isso registrado em vídeo em seus telefones, para depois ser compartilhado em busca de curtidas e comentários.

Milagros tentava o mesmo. Porém o vídeo permaneceu em seu celular. Lá ficaram seus últimos instantes. A agonia e o último suspiro de uma jovem que padeceu em busca de exposição no TikTok. O “desafio de apagão” é mais um de uma série de provocações que expõe seus participantes ao risco eminente de morte. O corpo de Milagros foi encontrado sem vida pelos seus familiares.

“Desafio, deriva do termo ‘desfidere’ que significa desconfiar da própria fé, isto é, pôr-se à prova. Crianças e jovens gostam de enfrentar desafios. O importante, assim, não é o desafio em si mesmo, que pode até ser saudável. O criticável é o conteúdo do desafio, que atenta contra a própria vida da pessoa, de outras pessoas ou de coisas do mundo”, alerta o Professor Dr. Lino de Macedo, Assessor Científico do Instituto PENSI – Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil de São Paulo.

Um verdadeiro desafio para os pais é saber como lidar com aquilo ao que seus filhos são expostos na internet. E também saber como abordar esses assuntos com os jovens, de forma a mantê-los conscientes dos riscos e consequências daquilo que é oferecido como diversão na rede. “Programas como o TikTok não têm curadoria de conteúdo e eles ‘surfam’ na internet ao sabor dos interesses dos usuários. A falta de temperança e de cuidados são próprias dos jovens. Neste caso, sentimos falta da presença de adultos” explica Dr. Macedo.

Conforme a psicopedagoga Cristina Duarte Anderle, o primeiro passo é o pai e mãe terem consciente do que o filho pode ou não pode fazer ou acessar na idade em que ele se encontra. “A criança e o jovem precisam ter clareza sobre o que eles podem ou não fazer. A solução nunca é proibir e sim fazer combinados. Os pais passam para ela com clareza o que é permitido acessar ou não”.

Os pais podem abordar esses assuntos conversando com os filhos de forma aberta e sem crítica. Dr. Lino de Macedo complementa afirmando que “é interessante refletir sobre as consequências dessas ações. O adolescente gostaria que isso acontecesse com ele, com seus irmãos ou amigos?”. Os pais também podem pensar em alternativas. “Jovens de hoje estão sem alternativas, e, aí, as coisas da internet tornam-se muito interessantes. O tédio, o vazio, o sem sentido da vida são instigadores de ações de pouca valia”, expõe o pesquisador.

Ao encontro desse pensamento, a Cristina indica que não há uma idade certa para permitir que crianças comecem a utilizar a internet. “Não existe uma idade adequada, mas sim uma maturidade adequada. Com a maturidade ela vai sabendo com quem pode ou não se relacionar. A criança ao longa da sua vida vai se desenvolvendo em todas as áreas cognitivas e emocionais e com as conexões que ela faz com o mundo”.

“A criança precisa de limites claros. É importante ter coragem de dizer não. Porque não pode acessar a internet. Porque não pode acessar tal rede social. Porque é importante jogar apenas alguns jogos. É preciso ter coragem para dar esses limites e falar não para nossos filhos. O não seguido de uma explicação. Por mais que pareça que a criança não está entendendo, no futuro dará resultado” salienta a pedagoga.

A família e a escola podem observar o comportamento dos jovens no uso que fazem dos conteúdos da internet. Observar é, portanto, um primeiro passo. Em seguida, o interessante é conversar, lembrar as consequências das ações, oferecer alternativas. Finalmente, no limite, é proibir, retirar o celular, penalizar. “Ser indiferente, ficar preocupado, mas não fazer nada, fazer críticas que só desabafam, não resolvem o problema. Adolescentes precisam do cuidado dos pais, por mais que estejam desenvolvidos e sejam autônomos em muitos aspectos de sua vida” conclui o pesquisador.

O TikTok bloqueou qualquer menção a hashtag BlackoutChallenge (desafio do apagão) como forma de coibir o desafio na plataforma. Mas outras provocações continuam na rede. A adolescente Milagres Soto não foi a primeira vítima do desafio.

Desde 2008, mais de 30 casos de óbitos por enforcamento involuntário de jovens, que possivelmente tenha relação com o desafio, foram registrados nos Estados Unidos. Em 2021 foram registradas mortes no Chile e na Itália. No ano passado dezenas de crianças e adolescentes australianos foram encaminhados para um mesmo hospital após participarem da trend.