Caxias do Sul

Desafio e Preconceito: entre a saudade e a esperança de uma vida nova

arquivo pessoal
arquivo pessoal

No sexto episódio da série Desafio e Preconceito, o Portal Leouve entrevistou o imigrante senegalês, Kamalinkou Lo de 34 anos que deixou sua família no Senegal para procurar uma vida nova, e melhor, em Caxias do Sul.

A imigração senegalesa para a América do Sul começou no início dos anos 2000, mas o alvo principal dos africanos era nosso país vizinho, a Argentina. A partir de 2010, com a queda da economia dos hermanos, o destino mudou. O Rio Grande do Sul, principalmente a Serra Gaúcha se tornou um dos os principais alvos para procurar novos horizontes. Os primeiros cinco imigrantes senegaleses chegaram em Caxias do Sul em maio de 2015.

Época em que Kamalinkou ou só Kama chegou na cidade. Natural de Dakar, capital do país africano, Kama trabalhava como sapateiro e morava com sua esposa e seu filho mais velho, que hoje tem 10 anos. Quando ele decidiu tentar a vida em novos ares, sua esposa estava grávida, tanto que Kama mareja o olhar ao falar dos filhos gêmeos que ainda não conhecera. “Dói muito não conhecer meus filhos gêmeos, mas se tudo der certo, no início do mês que vem (julho), vou para o Senegal matar a saudade da minha esposa e ver meus filhos”, comentou.

Alguns subterfúgios para Kama e seus amigos manterem a cultura senegalesa, são religião muçulmana e o encontro com seus conterrâneos em uma mesquita no centro da cidade, além de se alimentarem com a comida típica africana, adaptada para o Brasil. “Lá comemos muito peixe, como aqui é muito caro, compramos frango e usamos o mesmo tempero. Lembrar o gosto da nossa terra faz a gente se sentir um pouco mais a vontade”, explicou.

O momento econômico do Brasil, com destaque para o grande número de oportunidades de emprego em Caxias, atraiu Kama, assim como outros milhares de senegaleses para a região serrana, mas nem tudo foram rosas. Em um primeiro momento, Kama conseguiu um emprego logo ao chegar na cidade. Ele foi colaborador de uma vinícola, no bairro Pio X, entre 2015 e 2016. Porém, o país vivia um momento político conturbado que desencadeou em uma grande crise, gerando milhões de desempregados. Kama não escapou. A empresa faliu e ele teve que recorrer a outras fontes de renda. Hoje, ele trabalha como vendedor ambulante no Centro da cidade, mas almeja melhorar sua situação, “vou ir para o Senegal conversar com o embaixador brasileiro de lá, para ver se posso trazer minha família para cá. Se conseguir os documentos, vou guardar dinheiro e quero abrir uma loja com eles aqui”, afirmou.

Kama, qual foi seu sentimento ao desembarcar em Caxias do Sul?

Senti muito frio (risos), o dia que cheguei aqui fazia muito frio. Eu pensei que tinha chegado no paraíso, que aqui era tudo maravilhoso. As pessoas no Senegal falavam de Caxias, então vim para cá com muita esperança. Aconteceram algumas coisas ruins, como quando fui demitido e não tinha dinheiro para nada, mas fui aprendendo a viver essa nova vida.

Caxias foi o “paraíso” que você imaginava?

Primeiro sim, consegui emprego, mandava dinheiro para minha família todo mês. Depois, com o passar do tempo, o dinheiro que eu recebia de salário não era suficiente para me sustentar aqui, pagar aluguel, comida e mandar dinheiro para eles no Senegal. Então, antes ainda de ser demitido eu já vendia algumas mercadorias para ter um extra.

Você já pensou em voltar para o Senegal?

Quando minha mãe era viva, eu pensava muito em voltar, mas depois que ela faleceu eu só penso em ficar aqui e trazer minha família para cá.

Quando minha mãe morreu eu fiquei muito triste, ainda mais porque eu não tinha dinheiro para voltar para o Senegal ver ela pela última vez, então, depois, decidi que Caxias era o meu lugar.

Então, você pode dizer que se sente em casa aqui?

Claro, Caxias agora é meu novo lar. Conheci o Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, mas o melhor lugar para morar é Caxias.

Kama, você passou por alguma situação de preconceito no Brasil?

Sim, mas a gente releva. Dá para ver quando a pessoa é preconceituosa pelo jeito que as pessoas me olham. As vezes, tem gente que passa e chuta minhas coisas na calçada e sai me chamando de negão, mas eles falam do outro lado da rua, na minha frente as pessoas não ofendem por ser negro.

Como eu moro no Centro, não preciso pegar ônibus, mas meus amigos que moram mais longe sempre dizem que as pessoas no ônibus saem de perto deles. Quando sentam do lado de alguém a pessoa levanta, não todos, mas acontece com frequência. Ousmani, um amigo meu, me contou que pessoas não querem chegar perto dele no ônibus, levantam quando ele senta ao lado e, quando o coletivo está lotado, ficam se espremendo para não chegar perto dele. Isso nos deixa tristes.