O vereador de Bento Gonçalves José Antonio Gava (PDT) surpreendeu a todos ao insinuar a existência de um suposto esquema de “rachadinha” na Câmara de Vereadores da cidade, como é conhecida a prática ilegal quando um vereador se apropria de parte do salário de seus assessores. Gava usou a tribuna para denunciar o esquema na sessão desta quarta-feira, dia 30 de dezembro. “Filmem, gravem, que ninguém tem o direito de ficar com o salário de vocês”, disse o vereador se dirigindo aos assessores presentes. “Tenho coragem de dizer aqui para vocês: o vereador que fica com salário de assessor é bandido”, concluiu em seguida.
Gava não deu detalhes sobre as acusações e disse não ter provas, mas afirmou que será parceiro em uma eventual investigação. Ele revelou que ouviu com muita frequência reclamações com relação a supostos financiamentos feitos em nome de assessores para beneficiar vereadores e até casos em que o vereador estaria de posse do cartão alimentação do funcionário.
A denúncia do vereador reacende as suspeitas em relação à existência da prática no Legislativo de Bento Gonçalves. Em 2014, a Justiça denunciou quatro vereadores pelas mesmas suspeitas investigadas pelo Ministério Público em 2010. O processo corre até hoje em segredo de justiça, mas os vereadores Vanderlei dos Santos e Adelino Cainelli (PP), Marlen Pelicioli (PPS) e Marcos Barbosa (PRB), único que segue como vereador e agora será secretário de Mobilidade Urbana, e outras quatro pessoas respondem pelo esquema de corrupção. Eles tiveram o sigilo bancário quebrado e chegaram a ter os bens bloqueados pela Justiça.
Caso há dez anos ainda não tem solução
O MP começou a apurar o caso em 2010, após denúncias de ex-assessores da Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves. Segundo a investigação, os vereadores retiravam o dinheiro dos servidores na hora do pagamento. Uma outra forma de se apropriar dos valores era contraindo empréstimos junto a bancos e ficando com o dinheiro, porém as parcelas acabavam sendo pagas pelos funcionários lesados.
Em 2014, os quatro foram denunciados por improbidade administrativa e concussão, quando se tira vantagem indevida em razão do cargo que se ocupa. Caso sejam condenados, eles podem cumprir penas que variam de dois a oito anos de prisão e aplicação de multa. A Justiça chegou a determinar a indisponibilidade dos bens dos então vereadores e, na mesma decisão, determinou a quebra do sigilo fiscal e bancário do hoje vereador eleito Ari Pelicioli (Cidadania) e outros supostamente envolvidos no esquema de extorsão de dinheiro. Segundo a denúncia, os valores apropriados pelos vereadores variavam de dois terços até a metade dos salários dos assessores.
Há três anos, a promotoria havia conseguido levantar o sigilo de justiça do processo, mas a decisão foi revertida. O promotor Alécio Nogueira afirmou que todos os procedimentos foram realizados para que uma decisão em primeira instância possa ser publicada. Hoje, todos os trâmites do processo estão sob segredo de justiça.
Hoje, na tribuna, o vereador não apresentou qualquer evidência, mas desvelou uma suspeita que habita o imaginário popular não é de hoje. Ainda que conte com a imunidade parlamentar, a fala do vereador não pode ser desprovida de algum crédito e responsabilidade, e deve ser encarada com o respeito que merece. Ao menos serve para lembrar que casos semelhantes já ocorreram, e para questionar porque, 10 anos depois, um segredo judicial ainda separa o conhecimento público das consequências das investigações.
Confira o que disse o vereador José Antonio Gava
“Queria deixar um recado aos assessores de vereadores. Lá fora, ouvimos muita coisa (…), inclusive assessores fazendo financiamento para vereador (…), vereador ficando com salário de assessor. Em 2021, queria dar um recado a todos os assessores: filmem, gravem, que ninguém tem o direito de ficar com o salário de vocês. Ninguém. Esse negócio de pegar financiamento, ficar até com o vale alimentação, e era o comentário que estava lá fora. Filmem, gravem, gente! Não tenho vergonha, e tenho coragem para dizer aqui para vocês: o vereador que fica com o salário de assessor é bandido. Denunciem! E se tiver que abrir uma investigação, eu sou parceiro.”