O mês de setembro é dedicado à comunidade surda nacional e mundial, lembrados nos dias 26, Dia Nacional do Surdo e dia 17, Dia Mundial do Surdo. A surdez pode ser de nível leve, moderado ou grave, e ocorre com a diminuição da capacidade de ouvir, considerando os níveis definidos como normais. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 800 milhões de pessoas no mundo possuem alguma perda auditiva. Com o passar dos anos e as novas tecnologias, hoje é possível ter reversões nos problemas auditivos, com terapias, acompanhamento médico e inclusive, o Implante Coclear, também disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na Serra Gaúcha o procedimento possui atendimento especializado, e em Caxias do Sul pode ser iniciado o acompanhamento pelo Centro de Saúde Clélia Manfro, do Hospital Virvi Ramos.
O divisor de águas na vida de Giovana e Júlia Pascoali
As irmãs Giovana e Júlia não são gêmeas, mas tem algo em comum: nasceram com surdas. A notícia de que a primeira filha, Giovana, hoje com 17 anos, nascera com a perda auditiva neuro sensorial bilateral já causou um susto nos pais, principalmente na mãe Clori Ribeiro de Souza, de 41 anos. E o questionamento era “o que fazer?”. “A primeira coisa que a gente pensa é usar um aparelho, vamos dar jeito então de comprar um aparelho. Na época não tínhamos condições. Foram fases diferentes e desafios diferentes. Há 17 anos tudo era mais difícil, tudo era mais complicado e um mundo totalmente desconhecido”.
A primeira ideia que passou pela cabeça da mãe foi comprar o aparelho, além de consultar um médico especialista no assunto. Porém, mesmo após a compra e utilização do aparelho auditivo, Giovana ainda não tinha nenhum avanço. “Após a compra, devido à movimentação que realizamos, com rifas, jantas, venda de alimentos, e apesar de toda a correria, de todas as ações que fizemos, ela não teve um ganho positivo, mesmo com o uso do aparelho ela tinha 0% de audição. É um balde de água fria. Foi aí que veio a ideia do implante Coclear. No primeiro momento, pelo nome, ficamos assustados, pois é uma cirurgia, com aparelho introduzido em baixo do couro cabeludo. Mas o valor era muito além do que esperávamos. Até que o médico disse que tinha pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Com 1 ano e meio, Giovana iniciou os primeiros procedimentos para receber o implante. Com pouco mais de dois anos, o procedimento foi realizado com sucesso. Antes mesmo da cirurgia, inicia o processo de reabilitação, pois como se trata de uma criança que receberá algo novo nesta proporção, os primeiros passos devem ser realizados para o recebimento do aparelho, incluindo acompanhamento com fonoaudiólogo e cuidados da família. “Sempre estivemos conscientes de que não é só implantar, não é só a cirurgia em si. É o apoio da família, o apoio do profissional adequado, para atender e a insistência”, amplia Clori. Hoje, Giovana além de cursar o Ensino Médio, também trabalha no período da tarde e possui uma vida totalmente normal, como qualquer outra adolescente sonhadora.
Dez anos depois, o mesmo ocorreu com Júlia, filha mais nova do casal. Devido a um estudo de genética, realizado pela família, foi identificado que o próximo bebê de Clori poderia ter o mesmo problema auditivo que Giovana. Apesar de Giovana confidenciar à mãe de que não gostaria que a irmãzinha tivesse a mesma deficiência, as duas serviram como apoio uma da outra no processo de adaptação, no crescimento e compreensão de seus desafios. “Eu acho que o acreditar, ir atrás e não desistir é o caminho. Não foi fácil para a gente. São épocas diferentes, mas a gente não desistiu e apesar de tudo eu tinha uma vida”, destaca Clori Ribeiro, lembrando que ainda trabalhava como higienizadora de hospital enquanto estudava para ser técnica em enfermagem, no meio do processo para o implante de Giovana.
Um dos maiores desafios de Giovana foi apresentar aos colegas o implante, visível devido ao aparelho externo. A jovem conta como foi o dia, onde todo mundo elogiou seu cabelo que estava preso. “A primeira vez quando fui para a escola me senti perdida, mas meus amigos sempre me trataram bem, assim como os professores. Eu tinha vergonha de usar o cabelo solto, devido ao ensino médio. Esse ano, a primeira vez que fui de cabelo amarrado, todo mundo ficou impressionado, me diziam ‘não sabia que tu usava aparelho’, e nisso eu fiquei muito feliz. Depois eu expliquei como funcionava e todos ficaram admirados”, relata Giovana com suas vivências. A jovem trabalha como auxiliar administrativo em uma empresa de telefonia.
Implantada desde os onze meses de vida, Júlia hoje faz o que mais gosta, “conversar e brincar na escola. Eu tenho três amigas: a Lavínia, a Duda e a Emíli. Minha escola é bem legal, eu estudo na Escola Adventista. Também gosto de brincar de pega-pega e pique-esconde”, amplia a pequena.
Como funciona o Implante Coclear
As dúvidas sobre o procedimento do Implante Coclear foram sanadas pela fonoaudióloga Aline Aita, coordenadora do Centro de Saúde Clélia Manfro. Atualmente, o Implante Coclear é ofertado pelo SUS. Em Caxias do Sul, os pacientes são atendidos pelo Centro de Saúde Clélia Manfro, um serviço contratualizado pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS), que encaminha os pacientes que se enquadram para esse tipo de implante para realizarem o procedimento em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas.
“O Implante Coclear é uma prótese auditiva implantável indicada desde crianças até adultos, com perda auditiva, de grau severo a profundo. É importante salientar que essa prótese não tem indicação para todas as pessoas com deficiência auditiva, ela é indicada principalmente para paciente com perda severa a profunda, em uma orelha ou em outra, ou seja, unilateral ou bilateral. Para ser indicada, a pessoa tem que ter um teste, uma experiência, com uma prótese auditiva convencional, com o aparelho auditivo tradicional que vai atrás da orelha”, destaca a profissional. “No caso de crianças precisa pelo menos três meses de adaptação, e há alguns critérios a mais. O primeiro deles é da disponibilidade e do interesse da família para seguir todo o tratamento. Ele é um tratamento que inicia pela indicação médica e fonoaudiológica, e após a cirurgia ele [paciente] precisa de um acompanhamento com fonoaudiólogo para treinar as habilidades auditivas e desenvolver a capacidade dessa pessoa, ouvir e principalmente se comunicar através da oralização”.
O Implante Coclear é composto por duas partes: a primeira consiste em um processador de fala, de forma externa, fixado na orelha do paciente. “Esse processador externo se comunica através de um pequeno fio, com uma antena que é colocada na cabeça do paciente, na estrutura óssea. Essa antena se comunica com um ímã, colocado dentro da cabeça, sendo esse o procedimento cirúrgico. Nesse ímã há um feixe de eletrodos, inserido dentro do sistema auditivo, na porção chamada ‘cóclea’, localizada na orelha interna. Isso “substitui” as células que estavam ali e funcionavam, mas pararam de funcionar”, detalha Aline Aita.
O processador de fala externo fará a captação dos sons e transmitirá para a antena, a qual fará a conversão desse som em um estímulo digitalizado, para então, transmitir para os eletrodos dentro da cóclea e ser processada a audição. O procedimento é cirúrgico, realizado por um otorrinolaringologista, atualmente custando R$ 60 mil e financiado totalmente pelo SUS. Para pacientes da Serra Gaúcha é realizado em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas.
Aos pacientes que tiver interesse em realizar o procedimento, deve primeiramente solicitar consulta com um otorrinolaringologista do Centro de Saúde Clélia Manfro, passando por uma avaliação. Passando pelo período de experiência com a prótese convencional e constatado que esse procedimento não possui resultados positivos, o paciente poderá ser encaminhado para realizar o implante. A idade mínima para o procedimento é de 3 meses de vida até a fase adulta. No caso de crianças a família precisa e comprometer em realizar as manutenções e realizar o acompanhamento fonoaudiológico. Já pacientes como adolescentes e adultos precisam ter um desenvolvimento prévio de oralização.
Fotos: Arquivo pessoal/divulgação