
Alguém me recomendou assistir à série “Como Defender um Assassino. Fui conferir, achando que era uma temporada de 8 capítulos, do tipo que a gente “devora” em um final de semana. Mas não era. Até agora, são 6 temporadas e cada uma delas tem 15 episódios.
Não é exatamente da extensão que gosto; para ser sincera, não terminei de assistir tudo e, pelo que me disseram, ela não termina na 6ª temporada; aliás, li na internet que já há 7ª, o que não significa que não seja um bom aprendizado, tanto para quem quer exercer uma boa e ética advocacia criminal, como para quem queira ou não fazer uma boa e ética acusação.
A primeira coisa que chama atenção é a abissal diferença do título da série em Português (Como defender um assassino) e em Inglês (How to get away with a murder). Em nossa língua, o título sugere uma abordagem em torno de técnicas as serem utilizadas para a defesa de alguém que tenha matado uma pessoa. Já em Inglês, traduzindo-se, seria “Como se safar de um assassinato), ou seja, como cometer um crime e se safar de um assassinato, o que não guarnece similitude com o título dado para a série em Português.
Como se defende um assassino?
Bem, em primeiro lugar, devemos jamais perder de vista que todos, absolutamente todos, têm direito a uma defesa que, em nosso sistema processual, não pode ser de faz de conta. Precisa ser efetiva. Não há o devido processo legal sem ela. Sem defesa efetiva, não há processo nem justiça.
Segundo que, quando se é acusado de matar alguém, algumas hipóteses se abrem: a) você nega ter praticado o crime, sustentando que não é o seu autor; b) você assume que que matou, mas tenta excluir a culpa, alegando ser inimputável (era incapaz de conhecer a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento, por exemplo, sem prejuízo de outros); c) você diz que praticou o fato, mas ele não é uma infração penal, porque não é crime, uma vez que agiu em legítima defesa, em estado de necessidade, no cumprimento de um dever legal ou no exercício regular de um direito (as chamadas excludentes de antijuridicidade) ou alega que, pelas circunstâncias de fato, pensou estar agindo segundo elas (discriminantes putativas); d) você admite envolvimento no crime, mas afirma que teve menor participação na manobra criminosa e merece, por isso, punição menor; e) você, admitindo estar envolvido na infração penal, mas prova que queria praticar outro crime, e não o homicídio e, portanto, seu dolo era diverso; e) você diz que matou, mas postula uma redução de pena, porque agiu impelido por relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima; ou f) você tenta excluir eventuais qualificadoras (circunstância do crime que o torna mais reprovável e aumenta a pena), agravantes genéricas, ao mesmo tempo em que pede o reconhecimento de todas as atenuantes genéricas também.
Em todas essas nuances, há espaço para uma atuação técnica para a defesa. De minha parte, eu sempre encarei isso da seguinte maneira: se alguém é acusado de matar alguém, se efetivamente for o autor do crime, deve arcar com as consequências do ato criminoso, recebendo um apenamento proporcional e justo. Mas ninguém deve ficar um só minuto preso, se não foi o autor do crime, como não deve cumprir um só minuto de pena para além daquela a que foi condenado. Defender dentro desses limites é, para mim, como defender um assassino, embora eu jamais tenha defendido um. Mas a série predita vai por outro caminho. Ela segue a perspectiva de seu título em Inglês: como safar alguém realmente culpado. Como fazer de um assassinato algo impune.
Annalisse Keating (Viola Davis), na Série, dando um pequeno “spoiler”, é advogada da área criminal e professora de Direito em uma Universidade de prestígio da Filadélfia (EUA), já na primeira aula, esclarece aos seus alunos sua tática defensiva (e vitoriosa, creiam) aos seus alunos, resumindo-a em três: a) desacreditar as testemunhas; b) introduzir um novo suspeito; e, c) enterrar as provas. Ao fim, diz ela, que o defensor deve jogar tantas informações que os jurados entrarão para a sala de informações com um sentimento avassalador: a dúvida!
Verdade é que, como ela mesma diz, não se faz história com afetos. Porém, não é menos verdade que não se faz justiça sem ética e, na série, a ausência dela se faz presente por todo lado, tanto no comportamento da Defesa quanto da Promotoria, no que concerne aos meios de obtenção das provas para serem utilizadas nos julgamentos. É de volver Maquiavel no túmulo.
Se tiver curiosidade, assista a série. Ela tem idas e voltas que, ao que me parece, não são muito distantes do que acontece entre nós, é dizer, no Brasil. Vale conferir e contextualizar.