A falta de policiais não é uma novidade, mas está chegando a números críticos em Caxias do Sul. Atualmente, há menos de 100 policiais civis para investigarem todos os crimes que acontecem no município de mais de 500 mil habitantes. Para comparação, em todo o ano passado, foram 27 mil boletins de ocorrências registrados na maior cidade da Serra. Ou seja, se todos se dedicassem as investigações, seriam mais de 200 casos para cada policial esclarecer.
Nos primeiros 55 dias de 2023, já foram mais 4.396 registros. A expectativa é que um reforço chegue na cidade em abril, quando está prevista a formatura de 260 novos policiais civis. Ainda não está definido quantos agentes desta nova turma serão enviados para Caxias.
Se as investigações são discretas e as dificuldades pela falta de efetivo ficam internas nas delegacias, os problemas no atendimento da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) são notórios. As vítimas que precisam registrar ocorrências relatam ficar horas esperando, pois, por vezes, só há um policial atendendo.
Segundo a Polícia Civil, as equipes que foram planejadas com oito agentes, hoje chegam a atuar com apenas três policiais. O delegado regional da Serra, Augusto Cavalheiro Neto, admite que os problemas do atendimento no plantão são uma preocupação e uma consequência direta da falta de policiais em Caxias do Sul.
“É isso o que acontece. Tivemos aposentadorias de colegas (da DPPA). Emergencialmente, retiramos policiais de outras cidades da região para reforçar o plantão. E, ainda assim, temos uma escala envolvendo todas as delegacias da região para reforçar o plantão, para que possamos ter o mínimo de servidores. Antes, tínhamos equipes de sete a oito servidores. Hoje, operamos o plantão com quatro. Algumas equipes chegaram a ficar com três policiais para atender a população, atender local de crime e este pico de homicídios (do início de 2023). É uma situação que estamos ciente e que a chefia da instituição sabe”, aponta.
Estes problemas no plantão têm sido uma reclamação recorrente recebida pela Câmara de Vereadores. A Comissão de Segurança Pública constatou as filas enfrentadas pela comunidade e também aponta que policiais militares e guardas municipais também precisam aguardar na delegacia, o que diminui o números de agentes nas ruas.
“No início deste ano, acompanhamos o plantão, em diversos horários diferentes, e há momentos que tem dois servidores atendendo. Sabemos que a prioridade é para o atendimento da segurança pública, porque quando uma viatura apresenta um criminoso preso, estes policiais deixam de estar nas ruas. Então, a prioridade é para liberar estes policiais. Mesmo assim, está mais lento que o normal e prejudica toda a comunidade caxiense”, argumenta o vereador Alexandre Bortoluz (PP), presidente da comissão legislativa.
Além de atender a comunidade, os policiais do plantão também são responsáveis por comparecer a locais de crime e fazer o transporte de presos. Atividades consideradas fundamentais. Ainda assim, a tendência é que os problemas continuem até abril, quando acontecerá a formatura de uma nova turma de 260 policiais civis e Caxias do Sul poderá receber um reforço definitivo.
“Até abril, vamos continuar com esta situação. Estou vendo, momentaneamente, a possibilidade de reforços de fora, que venham de Porto Alegre. Não depende de mim, depende da Chefia da Instituição. Se vier este reforço, já é uma boa ajuda, poderemos incrementar mais um policial por equipe. Caso não, teremos, infelizmente, que nos virar com o que temos. Se ficar uma situação inviável, teremos que sacrificar algumas investigações e retirar policiais das delegacias para colocar temporariamente no plantão”, pondera o delegado regional.
Das 10 delegacias da Polícia Civil em Caxias do Sul, só as duas especializadas possuem pelo menos 10 agentes policiais: a Delegacia de Homicídios e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). Os crimes “cotidianos”, como furtos, estelionatos e roubos, que tanto incomodam a comunidade, tem cada vez menos agentes para investigação e, consequentemente, menos prisões.
“Já apresentamos um plano para o Departamento de Polícia do Interior, que nos respondeu que, no âmbito do interior, Caxias do Sul é a prioridade número 1 para receber agentes. Este é um problema histórico e não é privilégio só de Caxias. Acontece em outras regiões e também na Região Metropolitana. Nosso esforço em Caxias, como Delegacia Regional, como gestor, é sensibilizar o Chefe da Polícia que Caxias do Sul, embora esteja no interior, precisa receber atenção de Região Metropolitana. É a segunda cidade em população e na questão criminal. Só perdemos, em população, para a Capital, Porto Alegre. Precisamos ser olhados pela instituição como “prioridade 02″ (do estado). Tenho certeza que a Chefia está atenta a esta situação, pelo delegado Fernando Sodré. Que é insuficiente (o efetivo) e que (o reforço) será insuficiente para fazermos o trabalho ideal, sem dúvidas. O déficit histórico da Polícia Civil, como um todo, é de 40% a 50%. Deveríamos ter o dobro de agentes”, avalia o delegado Cavalheiro Neto.
Esta falta de policiais é decorrente da crise das finanças públicas gaúchas, um problema histórico e estadual. Todas as cidades fazem suas movimentações políticas para mostrar que o seu problema é maior e, consequentemente, receber mais policiais quando há formatura de uma nova turma. A Comissão de Segurança Pública afirma ter esta missão por Caxias do Sul.
“Fazemos comparativo com outras cidades, menores que Caxias, e vemos efetivos policiais três vezes maior. Se pegarmos 30 anos atrás, o número de policiais na nossa cidade era infinitamente maior que agora. E Caxias cresceu muito sua população. É uma preocupação generalizada. Uma pauta de anos, mas que intensificamos o discurso neste ano justamente para trazer mais efetivo policial. Após a posse do novo Chefe de Polícia, a notícia que recebemos é que ele irá reforçar o efetivo de Caxias”, afirma o vereador Bortoluz.
O delegado Fernando Sodré, que tomou posse como novo Chefe de Polícia no último dia 14, aparece como uma esperança por mais atenção por Caxias do Sul. Esta expectativa vem do delegado ter se formado em Direito pela Universidade de Caxias do Sul, em 1995, e ter trabalhado como policial na cidade. Ou seja, conhece a realidade e as dificuldades do maior município da Serra.
Entretanto, enquanto abril e os reforços não chegam, os policiais de Caxias do Sul enfrentam a realidade desfavorável. E o delegado regional Cavalheiro destaca que há bons resultados oriundos destes esforços:
“O sentimento de impunidade que existe é multifatorial. Não passa exclusivamente pela polícia judiciária. Lógico, temos nossa parcela, afinal estamos inseridos num sistema de persecução e justiça criminal. Mas, com os recursos que temos, diria que fazemos um trabalho de excelência. Os índices de elucidação de homicídios sãos altos; tivemos inúmeras prisões pelas delegacias; tivemos um índice baixo de roubos a pedestre e roubos a estabelecimentos comerciais. Isto é fruto das investigações feitas pelos distritos. Com baixo efetivo. Imagina se tivéssemos um efetivo maior. A sensação de impunidade é igual a sensação de segurança. É difícil de medir. Ou a população se sente, ou não se sente. É mais cultural do que propriamente objetiva”.