Justiça

Casos de estelionato contra idosos dispararam 94% em 2021 no Rio Grande do Sul

A questão da vulnerabilidade deste individuos acende um alerta as autoridades

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Os casos de estelionato contra pessoas idosas no Rio Grande do Sul dispararam 58% de 2019 para 2020 e no primeiro semestre deste ano, os registros apontam 94,9% desse crime que vem alarmando e adoecendo essa população, que representa 12,7% dos gaúchos e já superou o percentual de jovens abaixo dos 14 anos. Vítimas de violências físicas, sexuais e financeiras, os idosos têm apenas 36% dos Conselhos Municipais instalados nas 497 cidades do estado, sendo que Porto Alegre, com 300 mil pessoas idosas, não dispõe de abrigos ou casas de acolhimento para casos extremos encaminhados pelo judiciário, que é quando o idoso é retirado de clínica geriátrica por abusos ou negligência. O assunto foi tema hoje (25) de audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos.

Proponente da audiência, o deputado Airton Lima (PL) comentou a vulnerabilidade dos idosos, em especial pelo isolamento social provocado pela pandemia desde o ano passado, quando aumentaram os casos de golpes financeiros, além dos registros de abusos e violência física, sexual e psicológica. Há casos de idosos mantidos em cárcere privado, como foi noticiado em Porto Alegre, em clínica geriátrica, e outros envolvendo a captura dos benefícios de aposentadorias pelas financeiras que oferecem o crédito consignado através do telefone ou das redes sociais. Para apurar a situação dessa população, o parlamentar reuniu autoridades de instituições que atuam em rede para acolher, investigar e proteger as pessoas idosas. Lima vai criar, no âmbito da CCDH, um grupo de trabalho que atuará no sentido de fortalecer a rede de proteção aos idosos. Ele também apontou a responsabilidade dos gestores municipais em disponibilizarem Casas de Passagem aos idosos em situação de vulnerabilidade social.

A delegada Cristiane Pires Ramos, titular da Delegacia de Proteção da Pessoa Idosa em Porto Alegre, revelou os dados colhidos através do canal de denúncia anônima criado pelo governo federal, o Disque 100, que em 2020, com o isolamento social provocado pela pandemia, registrou o dobro dos registros no ano anterior. De 400 denúncias de violação de direitos dos idosos em 2019, o Disque 100 recebeu 832 em 2020, além dos registros de ocorrência policial. Nos cinco primeiros meses de 2021, as denúncias já superam as 400 recebidas em 2019 na delegacia da Capital, observou a policial, que atua em operações integradas com as polícias judiciais para investigar e resguardar esse grupo humano vulnerável.

Os dados atualizados mostram que os delitos com vítimas entre 60 e 79 anos no RS, de 2019 para 2010, aumentaram 58%, sendo 60% de registros de estelionato. No primeiro semestre deste ano, os casos de estelionato alcançam 94,9% dos registros. As facilidades promovidas pela tecnologia, celebradas em todos os ambientes, para as pessoas idosas em isolamento e sem orientação adequada significam a perda de recursos de aposentadoria, endividamento e problemas de saúde. A polícia tenta conter os criminosos com trabalho de prevenção junto às vítimas. “São delitos que é possível atuar na prevenção por haver a participação efetiva da vítima, que é colocada em situação de erro”, explicou a delegada Cristiane Pires Ramos. Não bastasse isso, a assistência social é precária e não oferece vagas públicas para as pessoas idosas em situação vulnerável, situação registrada em Porto Alegre e nos demais municípios. Ela se refere às Instituições de Longa Permanência de Idosos, tanto filantrópicas quanto privadas, “temos um limbo com número grande e até desconhecido de instituições que não são regulares e em muitas delas temos crimes e abusos acontecendo”, denunciou. As restrições da pandemia afastaram o controle das famílias em alguns casos e, em outros, de idosos sem vínculos familiares, foi agravado.

Porto Alegre não tem vagas públicas para idosos
Neste primeiro semestre, no retorno ao contato com pais e avós nesses locais, os familiares constataram negligência e abandono, desnutrição, feridas pelo corpo, cárcere privado e até morte, conforme denúncias recebidas na delegacia. Através de representação ao Judiciário e com mandados de busca e apreensão, mais de 200 idosos nessa situação foram resgatados, com a prisão em flagrante de uma proprietária de clínica geriátrica, que foi fechada. Cristiane contou que neste caso, as pessoas idosas foram destinadas aos cuidados da prefeitura de Porto Alegre, por determinação judicial, mas sem vagas públicas o grupo não foi acolhido. “Aí começa o calvário”, lamenta a delegada, “o idoso sai da situação de violência e não tem para onde ir”, comentando que não basta apenas a fiscalização, mas políticas públicas que garantam o acolhimento. A polícia consegue retirar de casa uma idosa de 90 anos vítima de estupro, valendo-se da Lei Maria da Penha, mas esbarra na falta de Casas de Passagem para o acolhimento dessa pessoa, e de diversos outros casos relatados pela profissional da segurança pública.

A coordenadora do Departamento do Idosos da secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Carla Capitanio, referiu o fato de as pessoas idosas se tornarem o esteio das famílias, com o desemprego em massa e as dificuldades financeiras, “isso compromete a saúde dos idosos e a questão financeira”. Soma-se a isso o isolamento e a carência dessas pessoas, que se tornaram alvos fáceis dos golpes patrimoniais através do telefone e das redes sociais. Os esforços governamentais estão voltados para estimular a criação dos Conselhos Municipais do Idoso, disse Capitaneo, uma vez que apenas 36% estão instalados nos 497 municípios do RS. Mesmo em municípios onde 43% da população é idosa, os conselhos não estão formados e não podem acessar recursos do Fundo Estadual da Pessoa Idosa. Agora, foi possível adesão de 178 municípios ao Pacto da Pessoa Idosa, que trabalha com as ferramentas do Estatuto da Pessoa Idosa, “diretrizes que já deveriam estar consolidadas e que é preciso reforçar”, afirmou. Além do Disque 100, a ação da secretaria firmou parceria com a UFRGS para capacitação dos conceitos da política da pessoa idosa, para aumentar a capilaridade das ações.

O diretor do PROCON/RS, Lucas Fuhr, informou que o serviço está concentrado na capital e apenas 17% dos Procons municipais estão disponíveis, “não temos unidade física no interior”. Disse que o órgão promoveu debates com os bancos e financeiras a respeito dos casos de empréstimo consignado não autorizado, assunto que está na esfera criminal, “nesses casos, por se tratar de fraude, estelionato, o Procon encaminha para a Polícia Civil e MP”.

Pelo Ministério Público, o promotor de Justiça Edes Ferreira dos Santos Cunha, comentou a situação dos Institutos de Longa Permanência de Idosos, cuja fiscalização primeira deve ser da família que opta por esses locais. No caso de determinação judicial, como aconteceu em Porto Alegre, que recorreu da decisão do juiz para não bancar as vagas públicas, mesmo diante de urgência extrema, o promotor explicou que cabe ao município solucionar a questão. Santos Cunha disse que falta lei federal que amplie as medidas protetivas aos idosos, como no caso de afastamento de filhos e netos nocivos em situação de violência, adiantando que o MP dispõe do Comitê do Idoso e atua na rede intersetorial para avançar nas políticas públicas estaduais. Uma das metas é a criação da Vara Judicial do Idoso, para agilizar as demandas judiciais. Na questão dos empréstimos consignados, observou que o idoso é um cidadão com direitos e, portanto, é preciso cautela para não cercear sua vontade, “não é situação simples”, alertou, “é preciso proteger o consumidor, mas não se pode tornar o idoso uma pessoa sem direitos e sem cidadania”. Ele relatou o caso que considerou prática de violência do estado contra uma pessoa idosa, servidor aposentado que no ano passado, na vigência do isolamento social, deixou de pagar uma mensalidade do PAMES junto ao IPERGS, no mês em que ficou impedido de sair de caso, retomando depois os pagamentos mas foi comunicado, mais tarde, do seu desligamento do plano por inadimplência. Pediu a atenção da Assembleia para esta situação.

Da comissão do Idoso da OAB, o advogado Cristiano Lisboa Martins, lamentou a falta de recursos públicos para implementar as políticas públicas dessa faixa da população. E isso está refletido nas instituições de permanência de idosos, uma vez que dados do IPEA mostram que 97% desses residenciais geriátricos são privados e sem fins lucrativos e 76% são privados com fins lucrativos. No Sul e Sudeste do país as privadas superam as filantrópicas e públicas. Sem rede de assistência social, esses locais atendem a demanda que deveria ser do estado, observou. Disse que a OAB avaliou a situação dos idosos durante a pandemia e constatou pelos dados do Disque 100 que a violência contra esse grupo, incluindo as pessoas com deficiência, foi superior à praticada contra mulheres.

Do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública, Aline Palermo Guimarães relatou que na pandemia 18 mil novos assistidos acima de 60 anos buscaram a instituição, com demandas na área da saúde, questões de direito de família, e direito do consumidor. Os casos de violência financeira praticada por familiares, por meio de procurações ou por coação moral, e contrato de empréstimos consignados, são preocupantes. Ela contou que em Frederico Westphalen, a Defensoria obteve medida protetiva para idosa de 83 anos, ameaçada de morte pela filha, “qualquer pessoa sujeita a esse tipo de violência deve procurar o poder público para o resguardo de seus direitos”, avisou. Relatou caso em Encruzilhada do Sul, onde a Defensoria atuou com a Polícia Civil contra ocorrência de fraudes por parte de financeira contra idosos.

A presidente do Sindicatos dos Servidores Públicos Aposentados do RS, Katia Terraciano, disse que a inadimplência em pagamento do PAMES e o cancelamento do plano está prevista em lei e alertou para o fato de que o sistema financeiro tem acesso aos dados do Portal dos Servidores, tanto que diversas entidades registraram a evasão em massa de associados, resultado de mecanismo utilizado por essas empresas para capturar os dados pessoais, garantir a contratação do empréstimo e bloquear as mensalidades, sem que o titular tome conhecimento. Também participaram Iride Cristofoli Caberlon, presidente do Conselho Estadual do Idoso, e Jaime Dal Forno, presidente do Conselho Municipal do Idoso de Santa Maria.

Deputados
O deputado Clair Kuhn (MDB) alertou para a vulnerabilidade dos idosos que vivem nas zonas rurais. E o deputado Faisal Karam (PSDB) reclamou ações concretas do poder público, uma vez que de nada adiantam as leis se não forem colocadas em prática. A deputada Luciana Genro (PSOL) observou que estas questões devem ser contempladas no orçamento do estado, para a viabilidade das políticas públicas, e lamentou a falta de legislação federal para conter as ações de bancos e financeiras junto a esse público vulnerável. Sofia Cavedon (PT) antecipou que vai buscar junto ao IPERGS esclarecimentos a respeito do cancelamento do plano de saúde relatado pelo promotor de Justiça.