Durante a semana que passou, o assunto que mais vi e ouvi foi o julgamento de Leandro Boldrini. Eu havia assistido ao primeiro, transmitido pelo site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Naquela vez, eram 4 réus, defendidos por distintos advogados, e três promotores de justiça, um deles de Três Passos. Quatro pessoas, pai, madrasta, uma amiga dela e o irmão da amiga, foram acusados de matar, em abril de 2014, Bernardo Uglione Boldrini, criança de 11 anos de idade.
Lembro que logo que o “desaparecimento” do menino foi noticiado na mídia, eu disse em casa: “esse guri tá morto”. Era a voz da experiência falando.
Ao fim, foram todos condenados.
Mas a defesa de Leandro Boldrini recorreu visando a anular o julgamento. Por que motivo? Porque há uma regra no Código de Processo Penal, ligada ao direito de o réu não produzir prova contra si próprio e não se autoincriminar, pela qual o acusado pode se valer do direito ao silêncio, sem que isso possa ser levando em conta pelo juiz. No processo criminal, não vale o jargão “quem cala consente”. Não. No âmbito criminal, o réu que cala só cala; não consente nada.
Também pode escolher se responderá os questionamentos do Ministério Público, do Assistente da Acusação, da Defesa, do Juiz e, no Júri, do Juiz Presidente e dos Jurados (aqueles que efetivamente irão julgá-lo).
Ocorre que, no primeiro julgamento, embora o Leandro Boldrini tivesse dito que não queria responder os questionamentos do Ministério Público, a Acusação entendeu, por outro lado, que, se o réu tinha o direito de não responder, isso não retirava o direito de o Ministério Público perguntar. Assim, fez todos os questionamentos que entendeu necessários e tudo ficou gravado.
Ocorre que o Tribunal entendeu que a postura do Ministério Público ao questionar, sem que o réu respondesse, nulificou o julgamento, porque, de algum modo, ainda que indiretamente, violou o direito do réu ao silêncio. Isso porque os jurados foram ouvindo tudo aquilo e, como eles votam secretamente, foram, talvez, formando o seu convencimento, isto é, foram sendo influenciados pelo teor das perguntas em si direcionadas a Leandro Boldrini sem respostas.
Mesmo anulado o julgamento, o Tribunal manteve o réu preso, sendo encaminhado o novo Júri, o realizado semana passada, agora restrito a um único réu, Leandro, aquele que recorreu e ganhou o recurso.
Não sei como foi para vocês, mas não foram poucas as vezes em que, ouvindo as testemunhas, fiquei com os olhos mareados; noutras, as lágrimas escorreram mesmo no meu rosto. A situação de abandono afetivo a que Bernardo Uglione Boldrini foi exposto por aquele pai realmente é difícil de ouvir e ver sem chorar. O depoimento da Tia Ju, especialmente no episódio da 1ª Comunhão, foi de cortar o coração.
E o que dizer daquele vídeo em que o menino pega uma faca e vai em direção ao pai e este, em vez de acalmá-lo, dissuadi-lo, desafiava o menino o tempo todo. E quando o menino desistiu e seguiu com a faca na mão, nem ali o pai se preocupou em desarmá-lo para que ele não lesionasse a si próprio.
A impressão que eu tive depois do contato com a prova exibida durante o julgamento (pois o processo, propriamente, eu não li), é de que o menino Bernardo era realmente um estorvo naquela família. Além de ser um estorvo, ele tinha problemas psiquiátricos e psicológicos.
Que Leandro não diga que não sabia disso, e não porque ele é médico, mas porque, como pai, foi muitas vezes chamado por outros médicos, psicólogos e escola. Até encaminhou o filho a um tratamento, mas era um tratamento “meia boca”, do qual ele, Leandro, nunca cuidou, não supervisionou, deixando-o sob a administração da própria criança, ao melhor estilo “te vira” e “dane-se”.
Pelo conjunto da obra, na minha percepção, há indícios muito claros de que pai e madrasta tinham uma expectativa de que Bernardo se matasse. Era o que eles gostariam que acontecesse. Como ele não agiu assim, pai e madrasta partiram para o Plano B: matá-lo.
Enfim, o Tribunal do Povo condenou Leandro outra vez, com uma pena um pouco menor, porque houve prescrição do crime de ocultação de cadáver e, hoje, pai e madrasta são os únicos que estão preso; amiga da madrasta está no regime semiaberto e irmão da amiga está em liberdade condicional.
Pobre Bernardo Uglione Boldrini, um pequeno viajante nessa aventura humana implorando por amor e um pouco de atenção, encontrando a morte pelas mãos de quem tinha o dever de protegê-lo.