Uma audiência pública promovida por quatro comissões permanentes da Assembleia Legislativa e requerida por nove deputados de diversos partidos, na manhã desta quarta-feira (14) no Teatro Dante Barone, expôs diferentes visões sobre o PLC 259/2023, que reestrutura o IPE-Saúde. De um lado, governistas alegaram que a aprovação do projeto é fundamental para resolver os problemas financeiros da autarquia. De outro, lideranças dos servidores criticaram a proposta e sustentaram que o déficit do plano é o resultado de nove anos sem reajuste salarial.
A audiência foi dirigida pelo presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, deputado Neri, o Carteiro (PSDB), e contou com a participação de lideranças das mais de 40 categorias que compõem o funcionalismo gaúcho e de 31 deputados de várias siglas partidárias. Na abertura do encontro, Neri pediu para a plateia que “todas as ideias fossem debatidas em tom de cordialidade, com responsabilidade e respeito ao tempo de fala dos oradores”. Repetiu diversas vezes o pedido durante manifestações de integrantes do governo, que foram interrompidas por gritos de “retira, retira”.
O projeto, enviado ao parlamento dia 18 de maio em regime de urgência, deverá ser votado na próxima terça-feira (20). Foi a segunda proposta apresentada pelo governo gaúcho para recuperar a autarquia, que, conforme o seu presidente, Bruno Jatene, registrou em 2022 um déficit financeiro de R$ 440 milhões e acumula uma dívida (passivo acima de 60 dias) de R$ 250 milhões com fornecedores.
Jatene atribuiu o desequilíbrio à evasão de servidores com altos salários a partir de 2005, elevada faixa etária dos usuários, inflação da saúde alta, não cobrança de dependentes e contribuições atreladas aos salários dos servidores. Com a aprovação do PLC, o governo espera arrecadar R$ 720 milhões a mais por ano, valor R$ 187 milhões menor do que o previsto na proposta original do Executivo.
A secretária de Planejamento, Governança e Gestão, Daniele Calazans, afirmou que, a cada mês de atraso na aprovação da proposta, R$ 36 milhões são acrescidos ao déficit da autarquia. Ela disse ainda que o governo ouviu bancadas e representações de servidores e readequou vários aspectos do texto. Citou a trava de contribuição em 12% do salário do servidor e a redução da contribuição dos dependentes.
Insatisfação geral
Todos as lideranças de entidades representativas dos servidores, que se manifestaram na audiência, criticaram o projeto e pediram sua retirada da Assembleia Legislativa. Elas consideram que a proposta penaliza os servidores, não resolve o problema da qualidade do atendimento, que piorou no último período, expulsará contribuintes e será responsável por uma sobrecarga ainda maior para o SUS.
A presidente do Cpers-Sindicato, Elenir Schurer, sintetizou o sentimento do funcionalismo: “A reestruturação do IPE mete a mão no bolso do servidor e ataca a saúde pública, pois não teremos outro caminho a não ser o SUS”.
Ela apresentou cálculos que mostram que uma servidora de escola que tem o marido como dependente e hoje paga R$ 48,30 de contribuição passará a desembolsar R$ 188,00, o que representa um aumento de 287%. Elenir alertou também que, se não houver reajuste, daqui a dois anos o IPE-Saúde estará envolvido em nova crise financeira.
O representante do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo, Augusto Medeiros, lembrou que as perdas inflacionárias dos funcionários estaduais chegam à casa dos 60% e que 30 mil recebem completivo para atingir o salário-mínimo. “É uma crueldade favorecer os de cima e penalizar os de baixo, sem nenhuma garantia de que isso irá melhorar a qualidade do atendimento”, frisou.
Já o representante da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Mário Rheingantz, apresentou dados de uma pesquisa realizada pela entidade que mostra o risco de fuga de contribuintes em decorrência do impacto do aumento de alíquotas. De acordo com o levantamento, 71% dos entrevistados disseram que pretendem sair do IPE-Saúde, sendo que 38% revelaram que “há muita chance”, de que isto aconteça.
Projeto mantido
Último a se manifestar na audiência, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, afirmou que a proposta do governo foi construída a partir do diálogo com diversas bancadas e absorveu contribuições de representações de servidores. “Buscamos proteger os baixos salários e melhorar a prestação dos serviços para atrair de volta quem ganha mais e saiu após decisão do STF, fazendo com que média salarial caísse e comprometendo o princípio da solidariedade”, ressaltou.
Principais pontos do Projeto de Reestruturação
O PLC 259/2023, enviado à Assembleia Legislativa dia 18 de maio, aumenta a contribuição dos titulares de 3,1% para 3,6% e a contribuição paritária do estado na mesma proporção.
Estabelece cobrança para os dependentes, que são isentos, de acordo com a faixa etária. A faixa de cobrança para dependentes com menos de 24 anos, de R$ 49,28, é a mesma do projeto original. Nas demais, em que os dependentes pagariam 40% do valor de referência para titulares, o percentual foi reduzido para 35%. O dependente sob condição de invalidez pagará a menor contribuição (R$ 49,28), independentemente da idade.
A coparticipação em exames e consultas se mantém como na primeira proposta. Passa de até 40% para até 50% dos valores da tabela da autarquia.
Institui a trava global de contribuição, limitando o desconto em 12% da remuneração do titular do plano, qualquer que seja o número de dependentes.