Descobrir nas pedras de basalto o segredo milenar da formação da terra em que nasceu e deixar surgir a vida secreta que se esconde na pedra bruta encontrada quase ao acaso por onde anda o artista através de um trabalho intenso, ao mesmo tempo bruto e delicado, que marca a obra do escultor Mauri Valdir Menegotto, ou simplesmente Gotto.
“Minha vida se transformou. Eu era um Zé Ninguém, um operário sustentando a família, de segunda a segunda trabalhava, baixar a cabeça, ir pra casa, chega o fim do mês, recebia na sexta e na segunda não tinha mais, aquela vida. Hoje, eu tenho amigos pelo mundo todo que curtem o eu trabalho”, revela.
Para encontrar a matéria-prima para esculturas, Gotto se diverte em incursões precisas aos canteiros de obras na cidade onde brinca de caçar pedras. “A maioria das minhas pedras eu acho elas vivas. Depois, elas atingem aquela forma bonita, polida, com cera, e dizer: é isso que eu queria, é isso mesmo”.
Há milhares de anos, um derramamento vulcânico garantiu abundância de basalto no solo de bento, onde o escultor nasceu e vive até hoje, com a segunda esposa, em sua casa, que funciona também como atelier, no bairro Vila Nova. A origem humilde é uma das marcas da personalidade estética, um dos segredos de sua sensibilidade artística e da timidez do homem que não se considera um artista.
“Insegurança, né? Um tchó de Bento, aqui da Vila Nova, e tem meu passado, faltava aquela coragem de mostrar. Eu sabia o que eu fazia, e mostrava para algumas pessoas, mas a maioria… teve até uma história de um cliente meu, que eu pedi para me ajudar a colocar um pedaço de madeira que eu estava esculpindo e ele perguntou o que eu estava fazendo. Eu disse: é uma escultura. E ele olhou para mim e disse: pra mim isso é um desperdício de lenha. Tenho uma dificuldade em me ver como artista. Eu me sinto um escultor, artista é uma coisa complicada. Hoje em dia, todo mundo acha que é artista. O cara faz um risco é artista, o cara pole uma pedra é artista. Acho que a arte é outra coisa, uma coisa mais profunda, exige mais conhecimento, mais aprofundamento. Eu ainda sou um escultor”, resume com humildade.
O conhecimento de Mauri Menegotto sobre o basalto e suas múltiplas utilidades surgiu nos anos 80. Suas obras buscam imprimir traços artísticos expressivos e cheios de personalidade. O fascínio pelo material transparece nas esculturas, mas não se resume a elas. Esculpidas ora com riqueza, ora com economia de detalhes, as obras permitem que as estampas naturais das pedras chamem a atenção, com manchas, riscos e pontos coloridos. Ver surgir as cores e as texturas escondidas nas pedras, aliás, é um dos maiores prazeres do artista, que navega por quatro temas principais: sementes, peixes, torsos e cabeças que tem em comum uma gratidão à vida e um respeito ao movimento e ao conhecimento.
Nas figuras humanas, aparece a grande inspiração de Gotto na aproximação com o trabalho do escultor João Bez Batti, que lhe ensinou a arte de esculpir a pedra por longos 17 anos em que Gotto, hoje com 52 anos, foi ajudante do consagrado escultor. Sua estreia na carreira solo se deu depois disso, em 2013. Desde então, Gotto já realizou sete exposições individuais, talvez a mais importante até o momento tenha sido no Margs em 2017.
E desde lá e até hoje, quem vê o trabalho de Gotto conhece um processo de criação que vem de longe e respeita a tradição milenar da arte em pedra. Assim, a permanência da pedra é eternizada em arte. E, assim como o basalto no solo gaúcho, a arte de Gotto veio para ficar.
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