Dia desses, ouvi a Coordenadora Adjunta do Curso de Direito da Faccat – Professora que atua no Núcleo de Práticas Jurídicas, onde o atendimento de pessoas humildes é realizado com o auxílio de Acadêmicos que já estão se encaminhando para a graduação – reclamando da exigência dos juízes cíveis de que os assistidos pelo Núcleo juntem aos autos suas últimas declarações de imposto de renda, para fins de terem deferido o benefício da gratuidade da justiça ou a chamada AJG.
A irresignação se fundava no fato de (i) os atendimentos realizados no Núcleo não têm fins lucrativos, mas a inclusão dos alunos na prática do Direito, numa espécie de “laboratório”;(ii) as pessoas que são atendidas no Núcleo são humildes, pobres que, de regra, não declaram Imposto de Renda, pois se inserem na faixa de isenção; e, (iii) a par disso, muitos deles trabalham na informalidade e não têm como comprovar renda.
E, quando intimados para tanto, deixarem de atender a determinação judicial, a petição inicial será indeferida e será obstada a tramitação do próprio processo, com a sua consequente extinção.
No último final de semana, o tema foi trazido à discussão em agrupo se WhatsApp do qual eu participo. Um membro do grupo transcreveu um despachou judicial que expõe um problema disseminado no processo civil. Não é problema de uma só localidade. O despacho dizia:
“Para análise do pedido de gratuidade de justiça formulado, venha aos autos a afirmação de hipossuficiência, bem como as Declarações de Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – DIRPF, prestadas à Secretaria da Receita Federal, completas, inclusive com Declaração de Bens e Direitos referentes aos 02 (dois) últimos exercícios financeiros ou, comprovantes que informem não constar as duas últimas declarações na base de dados da Receita Federal.
Sendo caso de isenção, deverão ser apresentados contracheques, comprovantes de rendimentos, declaração assinada pelo Contador ou extratos bancários de todas as contas e investimentos que o(a) requerente possuir, para os últimos três meses, ou comprovantes de rendimentos recebidos do INSS para o mesmo período.”
Outro integrante do grupo trouxe um que dizia assim:
“…para fins de análise do pedido de assistência judiciária gratuita, INTIME-SE o requerido, no prazo de 10 (dez) dias – mesmo prazo do item “II.1” abaixo, sob pena de indeferimento da gratuidade da justiça, para comprovar o preenchimento dos pressupostos para concessão do benefício (art. 99, §2º do CPC) com a apresentação de TODOS os documentos abaixo listados: a) cópias das duas últimas declarações de imposto de renda completas LEGÍVEIS, não servindo apenas o recibo. No caso de isenção do pagamento do tributo, impõe-se, para o acolhimento do pedido, a juntada aos autos da impressão extraída do sítio da Receita Federal, noticiando que não há declarações bens e rendimentos, tomando em conta o CPF da parte, em sua base de dados com relação aos dois últimos exercícios (http://www.receita.fazenda.gov.br/Aplicacoes/Atrjo/ConsRest/Atual.app/paginas/index.asp); b) cópias dos dois últimos contracheques/benefícios/pro labore; c) cópias dos extratos bancários de contas de sua titularidade dos três últimos meses; d) cópias dos extratos de seus cartões de crédito dos últimos três meses.”
Bem, a Constituição Federal trouxe, no bojo dos direitos e garantias fundamentais, consagrado o direito de acesso ao Poder Judiciário. Ela diz, no artigo 5.°, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Demais disso, a gratuidade de Justiça está expressamente prevista no artigo 5.°, inciso LXXIV, de nossa Lei Fundamental: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Essa matéria está regulamentada pela Lei 1.060/50.
Importante dizer que, quando se fala em Justiça gratuita, é bom lembrar que o indivíduo contará com isenção das custas processuais; e que a assistência jurídica gratuita implica o patrocínio da causa por advogado de forma gratuita. Quando prestada diretamente pelo Estado, isso se dará por meio da Defensoria Pública.
A pergunta é: essas exigências judiciais não parecem a vocês uma inversão de valores, uma verdadeira abusividade pela imposição de entraves à parte, para acesso à Justiça, que a própria Constituição Federal não exige, admitindo, a lei, que a situação econômica seja comprovado por mera declaração de pobreza nos autos ou de que a parte não pode arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu próprio sustendo e de sua família, e sem se despir de sua dignidade?
Minha experiência nas Varas de Família mostrou que, na imensa maioria dos casos, cuida-se de dividir a pobreza.
Então, estou entre aqueles que, como a Professora do Núcleo que antes citei, me encontro indignada com essa postura judicial que, na contramão de direção da vontade constitucional, coloca entraves, dificuldades, custos indevidos e até impossibilidades, para a concessão do gratuidade da Justiça que exige, e não pede, facilitação.
Se à Constituição garante que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, que garantia é está que não basta admitir a autodeclaração da necessidade da parte que não pode litigar sem pagar?
Vale ainda lembrar que a autodeclaração, se inverídica, pode constituir o delito de falsidade ideológica (CP, artigo 299). Portanto, o Sistema Jurídico tem mecanismo para pôr cobro em posturas fraudulentas, não havendo necessidade de restrição de direito fundamental com os entraves que vêm sendo exigidos pela Jurisdição