Não posso dizer se isso foi justo (jurídico) ou não, porque não examinei os autos, embora seja difícil entender como “legítima” uma ação policial cujo resultado no corpo da vítima tenha sido 70 perfurações a tiro. Portanto, limito-me a analisar a absolvição sumária no campo teórico.
Toda vez que o Ministério Público denuncia alguém por crime doloso conta a vida (o crime clássico é o homicídio, mas há outros), o juiz recebe, formalmente, a acusação e manda citar o apontado como autor do fato para que este ofereça defesa escrita, no prazo de dez dias, por meio de Advogado constituído ou, se for o caso, de Defensor Público.
Essa peça defensiva é obrigatória. Se o réu, pessoalmente citado, não oferecê-la, o juiz deve nomear Defensor Público ou Dativo para que este ofereça a defesa em prol do acuado. Isso só ocorre se a citação for pessoal, pois, se for editalícia, o juiz deve suspender o processo e o prazo prescricional até que o acusado seja, porventura, encontrado e citado.
Ao se defender, o acusado pode e deve deduzir toda matéria preliminar (são muitas as hipóteses) e alegar o que entender de direito, como negativa de autoria, negativa de dolo, inclusive isenção de pena e excludentes do crime, como legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito e estrito cumprimento do dever legal.
Na sequência, o juiz deve designar audiência de instrução, ou seja, audiência para que as partes, Acusação e Defesa, possam produzir suas provas.
Por último, o réu será interrogado e, findo o interrogatório, o juiz oportunizará às partes, sucessivamente, a começar pela Acusação, a apresentação de alegações finais na forma de memoriais.
Com vista de tudo isso, o Juiz irá analisar o caso para prolatar sentença. Em que circunstância poderá haver absolvição sumária do réu?
Absolvição sumária é um juízo de mérito e, de regra, no Júri, o Magistrado não pode julga-lo, porque, nos crimes de competência do Tribunal do Júri, cumpre ao Conselho de Sentença dizer se o réu tem que ser condenado ou absolvido. Os jurados é que valoram a prova, condenando ou absolvendo o acusado.
Mas a absolvição sumária é uma das possibilidades, no Processo de Júri, no momento de encerramento dessa fase que é de admissibilidade da acusação.
Diz o artigo 415 do Código de Processo Penal:
“Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:
I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do artigo 26 do Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.
Em suma, o Juiz só pode absolver sumariamente o réu quando provado, estreme de qualquer dúvida, que o crime não aconteceu, que o acusado não é o seu autor, quando o fato não for considerado crime, ou quando demonstrado que o réu é isento de pena, por inimputabilidade, por exemplo, ou que o autor do fato agiu ao abrigo de alguma excludente do crime como legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito ou estrito cumprimento do dever legal.
Quando falamos em “prova estreme de dúvida”, temos em mente aquela prova que não deixa margem mínima para dúvida. Ao contrário, nela há uma convergência no sentido de que, em todos os aspectos e de forma uníssona, ela se amolda a uma das hipóteses do artigo 415 do CPP.
É o que, teoricamente, deve ter acontecido no caso do Rio de Janeiro, registrando-se, contudo, que o Tribunal de Justiça daquele estado pode anular a decisão judicial de absolvição sumária, se não escorreita com a prova dos autos.