Você sabe em que sites o seu filho anda entrando nas redes sociais? Não faz nem ideia?
Esse tema me chamou a atenção há alguns dias por duas precisas razões: primeiro, porque viralizou, nas redes sociais, a história de um menino de 5 anos de idade que, entrando num aplicativo de jogos, em que o cartão de crédito da mãe – observe: desempregada – já estava cadastrado, e adquiriu um joguinho de “diamantes”, ao preço de R$ 271,00. A segunda foi porque, outro dia, olhando minhas redes sociais, defrontei-me com uma temática sobre a qual jamais havia refletido: o abandono digital, assunto que, de certo modo, tem a ver com o primeiro caso.
Confesso que, em verdade, só fui atentar para isso, a partir de uma publicação da minha colega da Ministério Público, como eu, aposentada, e hoje, igualmente minha colega na Advocacia, a Dra. Cláudia Albuquerque, em sua própria rede social.
O abandono digital pode ser definido como uma negligência dos pais em relação à segurança dos filhos em ambiente virtual, isso porque o alcance e o impacto das redes sociais pode gerar efeitos nefastos e nocivos em face da vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes, com ênfase nas questões criminais (nomeadamente, no aspecto da dignidade sexual) e até em situações que culminam, por um motivo ou outro, ao suicídio, e não só à compra de um joguinho cuja mãe não está em condições de pagar.
O IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família (ibdfam.org.br) faz recorrentes alertas sobre o abandono digital, especialmente pela superexposição às telas e ao mundo digital em decorrência do distanciamento social acarretado pela pandemia do coronavírus, eis que o ciberespaço foi e tem sido, de regra, a saída encontrada pelas pessoas como paliativo para o isolamento imposto pela quarentena que já supera muitos meses, abrindo-se, aí, um flanco ainda maior não apenas para conflitos, mas, também, para antigos perigos.
Claro, em um contexto pandêmico, em que não queremos deixar nossos filhos na rua, em contato com pessoas transmissoras do vírus em potencial; em época em que não podemos deixá-los, por lá, brincando, sem supervisão; em tempos de aulas remotas pelo computador ou pelo celular, as crianças e os adolescentes estão, sim, muito mais expostos ao abandono digital, porque os pais, também afetados pelo momento histórico, já não sabem exatamente o que eles andam fazendo lá. “Melhor lá a estar na rua” (uma segurança altamente questionável).
O que o tema suscita, em verdade, é que a autoridade parental, da qual deriva a responsabilidade, pode resultar tanto da negligência para com os filhos na rua, quando da ausência de supervisão daquilo que eles andam fazendo enquanto estão navegando na internet. Com isso quero alertar para a responsabilidade dos pais quanto a assegurar a educação dos filhos para a vida digital, tal qual como fazemos em relação ao mundo real em que vivemos.
Recentemente, a 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível n.º 70031750094, reconheceu a incidência do abandono digital e a responsabilidade civil de quem deixou os filhos expostos ao perigo de Cyberbulling (que pode ser dar por meio de discriminação, perseguição e alijamento da vítima de seu meio social) ou da disseminação de vídeos e imagens sensuais ou lascivas, não raro, impelindo à exposição de partes íntimas pela webcam, para posterior manipulação psicológica para ficar no mínimo sobre as armadilhas das quais eles podem ser vítimas (lembrei agora de jogos de automutilação).
A condição de pais ou responsáveis por uma criança (a quem entregamos um celular ou tablet, por vezes, até antes de ela ser alfabetizada) ou um adolescente impõe cuidar da segurança deles, com adequada fiscalização dos espaços virtuais, para que estejam em harmonia com autonomia e cognição segundo a idade de cada um.
Como fazer isso? Educando, preparando seus filhos para essas possibilidades, dialogando com eles, como faz sobre quaisquer outros conteúdos. Não se trata de invadir a privacidade deles. Ora, até a educação fora de um ambiente virtual precisa respeitar esse limite. Cuida-se, aqui, de um movimento de proteção, de um dever de educação digital, do qual você tem responsabilidade para com os seus filhos, como, destarte, já estão decidindo os Tribunais. Para a vida e para o bolso, é melhor “se ligar”.