Opinião

A tese certa na hora errada

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Na última semana, o tanto quanto pude, assisti ao julgamento pelo Tribunal do Júri do Caso Rafael, no qual Alexandra Dougokenski foi condenada por matar, em 2020, por estrangulamento, seu filho mais novo, Rafael Mateus Winques, de 11 anos de idade, dentre outros crimes conexos.

Primeiro, a mãe teria drogado
filho, retirando a consciência de Rafael, com dois comprimidos de diazepam; em seguida, o teria asfixiado, colocando, na sequência, o corpo do filho em uma caixa de papelão e escondendo nos fundos da casa de uma vizinha.

Adiante, foi à delegacia dar ciência às autoridades policiais de que o filho havia desaparecido. Mas, passados dez dias, o corpo do menino foi localizado e Alexandra, então, confessou o crime.

Inicialmente, disse, na Polícia, que a
Morte do Filho foi acidental (pelos diazepínicos). Apurado, por perícia, que a causa da morte foi estrangulamento, Alexandra abandonou a acidentalidade, para sustentar que Rafael estava demasiado desobediente, não atendendo mais as suas ordens. Porém, em dado momento, passou a dizer que quem matou Rafael foi o pai da criança.

Nesse quadro, depois de três dias de julgamento, Alexandra foi condenada por homicídio doloso quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual por 30 anos e 2 meses de reclusão, mais 6 meses de detenção, prisão a ser cumprida em regime inicial fechado.

Não quero falar da frieza do crime, nem criticar os profissionais que atuaram no Plenário em suas escolhas de tese e estratégias. Lembro apenas que a única tese foi a de negativa de autoria.

As estratégias utilizadas pela Defesa foram: a) desacreditar as testemunhas da acusação (para suscitar a dúvida); b) introduzir um novo culpado (para reforçar a dúvida e, depois, argui-la em favor da acusada); e c) municiar os jurados com uma enxurrada de informações – tanto o quanto possível, inclusive com narrativas que não estavam nos autos – para conformar a dúvida suscitada.

Nada de errado na escolha. Primeiro, porque o autor do crime poderia ser mesmo outra pessoa em um caso concreto; demais disso, também pode haver erros na investigação; pode, ainda, haver dissonância cognitiva, culpa já formada no inconsciente coletivo, em razão do papel desempenhado pela mídia; enfim, pode haver uma série de circunstâncias que façam algo parecer o que não é. Isso muitas vezes ocorre, podem acreditar.

Segundo, que todo réu tem a garantia constitucional de ser efetivamente defendido. Não há processo penal válido sem defesa. E não vale nenhum “faz de conta”. Nem uma defesa modulada pelo que quer a Acusação ou o Juiz, pois é princípio inarredável do Júri a garantia da plenitude de defesa (mais que ampla, é dizer, irrestrita) e quem decide sobre isso é o Advogado.

O Estado não pode exercer seu direito de punir, se não for assim. Tudo isso eu ensino na minha Disciplina de Técnicas de Júri. Ensino acusar e ensino defender (e bem defendido), porque a defesa é indispensável para a realização da justiça, com assegura à Constituição Federal.

Entretanto, a questão que eu quero enfocar aqui é outra: é da importância de se estar acompanhado por um bom advogado criminalista desde os primeiros momentos em que o acusado ou acusada dá qualquer versão. Qualquer uma. Isso é crucial. É decisivo, e o caso da Alexandra, nesse sentido, é paradigmático, em face da tese de negativa de autoria aliada às estratégias de introduzir um novo culpado e desacreditar a investigação.

Alexandra, depois de assumir o crime, alterou sua versão. Primeiro, disse que não tinha intenção de matar. Depois, matou e, finalmente, passou a acusar o pai do menino como o autor do homicídio.

O pai tinha um histórico grave de violência e de crimes (é o que foi sustentado no Júri). Poderia ser o autor do crime? Em tese, poderia. Havia indícios de que poderia, teoricamente, ser ele.

E por que essa última tese teve seu trânsito dificultado no Júri? Justamente porque Alexandra, agora condenada, na fase policial, não apenas confessou a autoria do crime, mas, também, esclareceu à autoridade policial como fez, tendo, ainda, orientado a perícia na reprodução simulada do homicídio, inclusive quanto ao nó no artefato que utilizou para asfixiar o filho e os óculos do menino que quebraram em meio à manobra criminosa, coisa que só quem fez poderia saber.

De observar que a perícia detectou, ainda, nos dispositivos informáticos de Alexandra, acesso a sites que mostravam como fazer o que ela exatamente fez, segundo a Acusação.

Depois disso, a tese da negativa de autoria poderia encontrar guarida? Difícil. É como diz meu ex-aluno, hoje advogado, Rodrigo Batista: tese certa na hora errada, porque, se sustentada desde o início, poderia ter mudado muito o rumo da prosa.

No caso específico, a meu juízo, a Defesa adequada seria aquela que tentasse, por argumentos e provas, reduzir a reprimenda. Às vezes, é tudo que pode ser feito e justo que se faça.