
A mistura de sotaques é uma realidade em Caxias do Sul e reflete: não é de hoje que a segunda maior cidade do estado é muito procurada por imigrantes que buscam uma nova vida no Brasil. Na Rede Municipal de Ensino, são cerca de 2 mil estudantes matriculados. Boa parte deles está na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Abramo Pezzi, que é exemplo de como a rede tem trabalhado para bem acolher os alunos vindos de outros países. Por lá, os projetos interdisciplinares têm direcionado o olhar para temáticas que versam com as vivências dos migrantes.
Neste ano, o projeto é intitulado Diálogos com o Mundo e trabalha vivências literárias e culturais com alunos brasileiros e venezuelanos. Dos 347 alunos, 70 são imigrantes. A diretora, Raquel Ferreira da Rosa, conta que desde que a escola percebeu o número de imigrantes praticamente dobrarem, em 2023, os olhares se voltaram com mais atenção à necessidade de pensar em projetos que ampliassem a integração dos estudantes.
“São formas de buscar essa inclusão, pois muitos dos que chegaram tinham dificuldades de se incluir entre os demais. Estamos trabalhando para que eles consigam se apropriar da Língua Portuguesa e temos conseguido, o que nos deixa muito contentes”, comemora.
Prova disso é o caso de Santiago David Cordeiro Guevara, oito anos. Quando perguntado sobre o que acha da escola, ele diz com a fluência de um brasileiro.
“A escola é muito legal, tem muita coisa divertida. Tem recreio, educação física e bastante atividades”.

“Ensinam muito a gente. Se a gente não entende, as profes explicam de novo”, completa o colega Elier Josue Gonzales Guevara, oito anos, lembrando: “É Elier com E maiúsculo!”, ressalta.
“Percebemos que eles se sentem mais incluídos, mais participativos. Também temos retorno positivo das famílias, que se sentem acolhidas na escola e estão participando mais da rotina escolar”, conta a coordenadora pedagógica do turno da tarde, Karen Pereira.
Apoio para a alunos imigrantes e professores
As capacitações ofertadas pela Secretaria Municipal da Educação (SMED) têm auxiliado para que o corpo docente possa, com o passar do tempo, se adaptar à realidade de turmas que misturam sotaques, e consequentemente, os alunos consigam se inserir melhor no cotidiano escolar.
No projeto Mais Alfabetização, da SMED, professores alfabetizadores atendem alunos com dificuldades de aprendizagem, dentre eles estudantes imigrantes ainda não proficientes em Português. Em 2025, já são mais de 3,2 mil estudantes atendidos, entre brasileiros e imigrantes.
Para subsidiar os docentes para a prática pedagógica, a SMED oferta capacitações a respeito de diversos temas, dentre elas, as que tratam mais especificamente de assuntos ligados à dificuldade com a língua. Neste ano, os professores que atuam no Mais Alfabetização participaram de momentos formativos organizados pela assessoria pedagógica da SMED, dentre eles capacitação com o professor Marcelo Gomes, especialista em Língua Espanhola, que contribuiu com reflexões sobre aspectos comuns entre a Língua Portuguesa e a Espanhola, instrumentalizando os docentes para o trabalho junto a estudantes hispanofalantes. Outros três encontros formativos voltados à imigração e ao Português como língua de acolhimento, em parceria com o Mestrado em Letras e Cultura da UCS, já estão marcados para outubro e novembro, para atender a professores da rede como um todo.
Outro exemplo foi a formação sobre Letramento Migratório e Proteção Internacional, em parceria com o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), realizada pelo Núcleo QuERER em 2025. Outras capacitações, realizadas anteriormente, tiveram temas como fonética e fonologia, estratégias para atuação docente com estudantes estrangeiros, fluência na leitura e escrita, consciência fonológica, funções executivas e práticas pedagógicas sugeridas para melhorar o aprendizado. Além disso, foram trabalhados Recomposição e Recuperação das Aprendizagens, voltado aos estudantes imigrantes, e formação continuada junto ao Programa de Línguas Estrangeiras (PLE) da UCS.

No Centro Municipal de Atendimento Pedagógico Especializado (Cemape) também há atendimento para estudantes estrangeiros com dificuldades de adaptação à Língua Portuguesa, conforme encaminhamento feito pelas escolas municipais. Atualmente são 62 imigrantes atendidos no serviço, que desenvolve ações voltadas à inclusão e ao acompanhamento dos estudantes imigrantes. Por lá é ofertado o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua e são promovidas atividades pedagógicas que valorizam as habilidades, interesses e necessidades específicas dos estudantes, respeitando suas singularidades e ritmos de desenvolvimento. Além disso, as famílias e as equipes escolares são orientadas quanto às especificidades dos migrantes, apoiando o processo de adaptação escolar e o fortalecimento das relações interpessoais. Essas iniciativas servem para assegurar a inclusão e também para disponibilizar recursos adequados para a adaptação escolar.
A Rede Municipal também tem atenção à alimentação. Nos casos em que há estudantes com seletividade alimentar ou dificuldade para aceitar o lanche da escola em função da diferença cultural, o setor de Alimentação Escolar pode realizar a adaptação do cardápio para essa criança, para que ela não deixe de se alimentar durante o período em que permanece na escola.
A secretária municipal da Educação, Marta Fattori, contextualiza.
“Todos esses movimentos mostram a rede forte que temos. A Secretaria Municipal da Educação tem feito todos os esforços para atender a todos os migrantes e imigrantes que chegam a Caxias, respeitando o zoneamento e encaminhando para a escola mais próxima possível. Todos são recebidos, acolhidos e incluídos na nossa rede, com o suporte necessário para que tenham o melhor aprendizado possível. Sabemos que é preciso uma adequação e participação dos pais também é importante e necessária nesse ensino-aprendizagem”.
Atividades extra-classe
Sair da sala de aula é outra ferramenta pedagógica. É o que fizeram Maria Blandina Anneus Augusme, 12 anos, brasileira filha de haitianos, e Rosalinda Levre, 14, nascida na República Dominicana. Alunas da EMEF Armindo Turra, elas e colegas participaram, nesta sexta (26), de oficinas de música durante o II Seminário de ERER da Rede Municipal de Ensino – QuERER: Confluenciando pelos caminhos da Educação. O evento foi organizado pelo Núcleo QuERER da SMED e foi voltado a promover debates e reflexões relacionados à Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER), com o objetivo de qualificar os processos educativos.
“Gostei muito, porque faço aula de canto, então foi muito bom participar”, disse Rosalinda.

O Núcleo QuERER trabalha na implantação da Biblioteca Humana, que compartilha, por meio de relatos em vídeo, as experiências de migrantes que vivem em Caxias do Sul.
Caxias busca estratégias para ampliar vagas
Atualmente, a Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul conta com 46,7 mil matrículas. Em março, o número de matrículas era de 46,1 mil. Diante da demanda, a Prefeitura tem buscado ferramentas para ampliar a possibilidade de atendimento e trabalha junto à Secretaria Estadual da Educação (SEDUC) em um estudo para ampliar o número de vagas e bem atender aos estudantes.
O prefeito Adiló Didomenico explica que a Administração trabalha para bem acolher a todos, o que é uma característica da cidade.
“Primeiro informar que a chegada desses imigrantes/migrantes tem dois fatores. O primeiro pelo espírito acolhedor que faz parte do DNA de Caxias e vai continuar sendo, até porque é uma característica nossa de receber bem a todos que vem em busca de uma oportunidade aqui. Em segundo lugar, uma leva de pessoas/famílias que vieram das regiões que foram alagadas aqui no Estado, inclusive trazendo uma ajuda muito grande na questão da mão de obra. Se por um lado nos traz uma preocupação para conseguir a estrutura necessária, na educação, na saúde, para bem atender esse volume de migrantes e imigrantes, por outro lado, eles têm contribuído muito com a sua mão de obra, que alguns setores, se não fosse os imigrantes, nós teríamos sérias dificuldades de estar produzindo a pleno. Na questão da educação, a gente já está há tempo buscando ajuda do Estado para viabilizar espaço físico, visto que a nossa rede, nossas escolas estão com as salas de aula lotadas. A gente, inclusive, está recebendo sugestões das equipes para desativar a sala de informática, por exemplo, para aumentar espaço. Então, nós optamos por trabalhar junto ao Governo do Estado e a secretária Raquel foi muito, muito parceira e já recomendou a 4ª CRE pra fazer esse trabalho em conjunto pra ver quantas turmas das séries finais eles conseguem absorver já pro próximo período letivo. A gente se preocupa, busca alternativas e sempre vai acolher. E tem que deixar bem claro: os migrantes e imigrantes sempre foram muito bem recebidos em Caxias do Sul e sempre serão como nós também fomos recebidos um dia”.