A polêmica em torno da exposição “Baixa Colateral Distópica”, que está no Centro de Cultura Ordovás, ganhou mais um capítulo nesta segunda-feira (6) em Caxias do Sul. Isso porque a Secretaria Municipal da Cultura (SMC) informou que o local permanecerá de portas fechadas até que o município decida se continua ou não com a mostra até a data de encerramento oficial – prevista para o dia 2 de fevereiro.
O motivo, segundo a titular da pasta, Tatiane Frizzo, são as ameaças de violência em redes sociais sofridas por servidores do município contrários à mostra artística. A exposição aborda temas como o fetichismo, culto ao sagrado, exploração do corpo e sexualidade.
O assunto ganhou repercussão nas redes sociais há cerca de duas semanas, quando a Unidade de Artes Visuais lançou um comunicado oficial reafirmando a legalidade da mostra, cujo processo seletivo foi efetuado por uma comissão de especialistas na área. Na mesma nota, a pasta informou que a exposição seguia a classificação indicativa estabelecida pela legislação e que é contrária a qualquer tipo de censura.
“A Secretaria Municipal da Cultura não exerce censura à arte e respeita a pluralidade de técnicas, temáticas e reflexões trazidas pela Arte Contemporânea”, disse o comunicado. Os vereadores Hiago Morandi (PL), Capitão Ramon (PL) e Alexandre Bortoluz (PP) fizeram duras críticas à exposição. Nas redes sociais, Morandi afirmou que a mostra “zomba com a fé alheia”. Capitão Ramon encaminhou uma denúncia ao MP, porém foi arquivada.
Conforme Tatiane Frizzo, na tarde desta segunda-feira houve um encontro com o secretário da Segurança Pública e Proteção Social, Paulo Rosa, no qual ficou estabelecido que a Guarda Municipal fará rondas no local nesse momento de trabalhos internos.
Para tomar uma decisão final, contudo, o município encaminhou um parecer ao Ministério Público (MP). Uma das iniciativas possíveis para assegurar que a obra fique até o período final previsto é a ampliação da segurança no entorno, com a presença de mais guardas municipais ou de agentes de segurança na área.
“Nós estamos aguardando um parecer que nos auxilie a tomar a medida mais adequada, visto que a gente precisa sempre garantir a proteção aos servidores públicos que lá trabalham e também a integridade do nosso patrimônio e da galeria como um todo. Quando tivermos esse parecer, vamos decidir se ela é mantida ou encerrada antes do período. Estamos aguardando essa resposta para tomar uma medida que seja eficaz e que tenha amparo legal”, salienta Tatiane.
Porém, ao comentar sobre a exposição em si, Tatiane ressalta que todo o processo de seleção foi feito de forma isenta e profissional por uma equipe de especialistas.
“O que precisa ficar claro é que todos os aspectos legais foram cumpridos para que a exposição estivesse ali. Outro aspecto que precisa ficar claro é que a exposição é de conteúdo acima de 18 anos, então tem uma classificação indicativa, é para adultos, e não para crianças ou adolescentes. Essa galeria onde estão essas obras não é um local de passagem das pessoas, portanto quem está indo para a exposição está indo especificamente para esse fim”, pontua Tatiane.
Ainda não existe uma data para que a prefeitura tome uma decisão final a respeito do recesso do Centro de Cutlura Ordovás. Os servidores continuam exercendo as suas atividades na parte interna.
“A gente não pode ficar calado diante de uma manifestação fascista”, afirma criador da obra
A exposição “Baixa Colateral Distópica” é fruto do trabalho do artista goiano Rondinelli Linhares, que propõe uma reflexão sobre a forma como a sociedade venera alguns símbolos religiosos e como outros elementos fugazes da contemporaneidade são vistos atualmente como sagrados.
Ao usar como inspiração a obra “Vida Para Consumo”, do pensador polonês Zygmunt Bauman, ele utiliza colagens com objetos e materiais, fotografia, pintura e outros materiais. A partir desse conceito, Linhares traz à tona elementos polêmicos da sociedade atual, dentre eles a própria banalização da sexualidade.
Ele relatou à reportagem que também sofreu ameaças em função da exposição. Apesar de não concordar com o encerramento prematuro da mostra, Linhares comenta que sua principal preocupação é com a integridade das pessoas que trabalham no local. Assim, ele exige que, se o projeto acabar antes, a prefeitura explique de forma detalhada que isso ocorreu por conta de influência política e fomento a ações de ódio de pessoas que não compreenderam a real natureza da exposição.
“Não podemos fazer isso de forma calada. Eles (os que mandaram mensagens de ódio e ameaças) promoveram um estrago através de uma ação de pessoas e a gente tem que responder isso. Não podemos ficar calados diante de uma manifestação fascista, porque vamos estar empoderando eles se simplesmente cancelar a exposição e não notificar a imprensa e colocar o assunto nas redes sociais. A gente tem que fazer algo que traga visibilidade para o que está acontecendo”, comenta.
Ao comentar sobre as críticas à exposição por conta dos elementos sexuais, Linhares explica que não existe nenhum tipo de apologia ao sexo.
“Não é nada tão absurdo, não é nada fazendo apologia ao sexo, muito pelo contrário, é uma proposição de reflexão acerca dos rumos mentais que a sociedade tem tomado, principalmente de 2018 para cá, que é quando o bolsonarismo se inflamou na sociedade”, argumenta Linhares.