O Ministério Público do Trabalho, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/RS), a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Federal e a Secretaria de Assistência Social do município de Bento Gonçalves divulgaram em entrevista coletiva, na manhã deste sábado (25) no Ginásio Municipal de Esportes Darcy Pozza, os resultados da operação de resgate de trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão na cidade.
Pelo Ministério Público do Trabalho, participaram a procuradora coordenadora da unidade do MPT em Caxias do Sul, Ana Lucia Stumpf González, e a vice-coordenadora regional da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas), procuradora Franciele D’Ambros. Ambas estiveram em Bento Gonçalves atuando na coleta de depoimentos e na negociação de pagamentos dos direitos aos trabalhadores resgatados. Também participaram da entrevista os auditores-fiscais do trabalho Alexandre Machado, Rafael Zan e Leandro Vagliati; o delegado da Polícia Federal Claudino Sebaldo Alves de Oliveira; os agentes Leandro Portes, chefe da 6ª Delegacia da PRF de Bento Gonçalves, e André Benedetti, chefe de policiamento da PRF; e o secretário municipal de Esportes e Desenvolvimento Social de Bento Gonçalves, Eduardo Viríssimo.
Ao todo, 207 trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão, a maioria oriunda de municípios da Bahia.
“A situação verificada acende um alerta sobre a necessidade de atuação focada em toda a cadeia produtiva da uva, que todo ano atrai para a serra gaúcha diversos trabalhadores em busca de emprego e melhoria de condição de vida. No entanto, nem sempre é isso que ocorre, como visto durante a operação deflagrada. O MPT continuará atuando para garantir que as situações verificadas não se repitam”, salientou a procuradora Franciele D’Ambros.
Na noite de sexta-feira (24), os trabalhadores receberam parte das suas verbas rescisórias e foram enviados de volta para seu Estado natal em quatro ônibus fretados, com garantia de custeio da alimentação durante o trajeto. Apenas 12 dos resgatados permaneceram no Rio Grande do Sul, por serem aqui residentes ou por não terem manifestado interesse em retornar.
Como forma de adiantar o pagamento das verbas rescisórias aos resgatados, foi negociado com o proprietário da empresa contratante um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) Emergencial garantindo que cada trabalhador recebesse R$ 500,00 em dinheiro. O restante das verbas devidas será quitado até o dia 28/2 por ordens de pagamento, pix, transferências bancárias ou consignação. Está estabelecido no TAC que o empresário deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido. Até o momento, estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1 milhão. O custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante.
Os valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reclamados pelos trabalhadores. Ao longo da semana, será designada audiência com a empresa empregadora e com as vinícolas tomadoras para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e também para fixação de obrigações que previnam novas ocorrências.
“Os próximos passos são acompanhar o integral pagamento dos valores devidos aos trabalhadores, estabelecer obrigações para prevenir novas ocorrências com relação a esse grupo de empresas intermediadoras. Com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção, já foram instaurados procedimentos investigativos contra as três vinícolas já identificadas”, afirmou a procuradora Ana Lucia Stumpf González.
Grandes vinícolas não tinham relação com maus-tratos com os trabalhadores – investigações prosseguem pelas forças de segurança
Durante a entrevista coletiva na manhã deste sábado (25) o auditor do Ministério Público do Trabalho, Rafael Zan, afirmou que as principais vinícolas da região fazem parte da investigação, mas até o momento não tem relação direta com trabalho análogo à escravidão (fatos ocorridos no interior do alojamento). Neste primeiro curso da operação, não foram fiscalizadas ou vistoriadas pelas equipes do Ministério do Trabalho em relação aos maus-tratos com os trabalhadores. Mas as investigações prosseguem por parte de todas as autoridades envolvidas na operação.
“A investigação e a denúncia se baseou nas condições do alojamento onde estavam sendo mantidos os 207 trabalhadores. Pelo apurado até o momento boa parte destes trabalhadores trabalhavam na carga e descarga de caixas de uva dos caminhões para as vinícolas. Alguns trabalhadores foram encontrados em propriedades rurais, porque preferiam ficar nestes locais, apesar também de não ter condições, mas eram melhores que a referida pousada” destacou Zan.
O CASO
Na noite de quarta-feira, a operação começou com uma vistoria realizada pela PRF e pelo MTE em uma pousada localizada no bairro Borgo, que, segundo denúncias realizadas por um grupo que havia conseguido fugir, estava sendo usada como alojamento para trabalhadores atraídos para trabalhar na colheita da uva.
De acordo com depoimentos colhidos dos trabalhadores ao longo da semana, as promessas feitas no momento da contratação incluíam a de que seriam custeados alimentação, hospedagem e transporte, Mas, chegando ao Rio Grande do Sul, os trabalhadores tiveram que pagar pelo alojamento, já começando em dívida. O local de alojamento também apresentava péssimas condições.
“Não bastasse o empregador não pagar a alimentação no deslocamento de vinda para o destino, suas Carteiras de Trabalho, quando assinadas, tinham como datas de admissão, no mais das vezes, as datas do início do trabalho no destino, e não as de sua contratação na origem, como determina a legislação. Além disso, também constatou que a concessão de empréstimos a juros extorsivos pelo dono do alojamento ligado ao empregador, assim como os descontos feitos pelos produtos adquiridos em mercado próximo ao alojamento e os relatos de violência física e psicológica ocorridos no mesmo alojamento, foram o diferencial neste procedimento fiscal”, detalharam os auditores da SRTE presentes na coletiva.
As idades dos 207 resgatados variam entre 18 e 57 anos.