DISCRIMINAÇÃO

Justiça Federal condena vereador de Caxias do Sul por xenofobia contra os baianos

Sandro Fantinel foi condenado a 3 anos de reclusão em regime aberto, pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais coletivos e cassação do mandato. Decisão cabe recurso

Declaração na tribuna de Câmara de Caxias do sul ocorreu no dia 28 de fevereiro do ano passado
Declaração na tribuna de Câmara de Caxias do sul ocorreu no dia 28 de fevereiro do ano passado | Foto: Divulgação/Câmara Caxias

O juiz Júlio Cesar Souza dos Santos, da 5ª Vara Federal de Caxias do Sul, condenou o vereador Sandro Fantinel (PL), à pena de três anos e 20 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 30 salários mínimos; bem como ao pagamento de 86 dias-multa, calculados à razão de 1/10 do salário mínimo vigente na data do fato atualmente em R$ 42 mil; multa de R$ 50 mil por danos morais coletivos; e à perda do cargo público, com fundamento no art. 16 da Lei nº 7.716/89.

O processo criminal é de autoria do Ministério Público Federal (MPF) e a sentença foi proferida no dia 17 de dezembro. O vereador foi condenado por xenofobia (discriminação) contra os baianos e uma ação penal referente a uma declaração dele, no dia 28 de fevereiro do ano passado, na tribuna do Legislativo de Caxias do Sul.

No pronunciamento, Fantinel se manifestou em discriminação ao povo baiano, em meio ao episódio em que o Ministério Público do Trabalho (MP/RS) resgatou trabalhadores considerados em suposto estado análogo à escravidão, em Bento Gonçalves. A ação ocorreu durante a colheita da uva.

Na declaração, o parlamentar do Patriota, na época (depois ele foi expulso do partido), considerou os baianos como “preguiçosos”. Além disso, comparou eles com os trabalhadores argentinos, os quais recomendou que os empresários da região contratassem eles, pois seriam “limpos, corretos e cumpridores de horários”. Ao contrário, os que vieram da Bahia tinham “a cultura de viver na praia, tocando tambor”.

Na fundamentação, o magistrado ressalta que o discurso considerado discriminatório vai de encontro aos princípios da democracia:

“Com efeito, o discurso do réu evidentemente encontra-se fora do campo
democrático e transgride as fronteiras daquilo que pode ser aceito em uma democracia
baseada no respeito aos direitos humanos, como determina a Constituição Federal. E é
inadmissível, no atual estágio de desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, que
representantes do povo, a pretexto de participar de debates políticos em função do
desempenho do mandato ou em razão dele, sem qualquer razão ou fundamento,
profiram discursos contra minorias que representem severa violação aos direitos
humanos”.

A sentença de primeiro grau cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. Ele segue no exercício do mandato até o dia 31 de dezembro, normalmente. A decisão não interfere na reeleição dele à Câmara de Vereadores, pois se refere à perda do atual mandato, no qual ele praticou o ato que motivou a ação penal do MPF. O caso também foi parar no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA), com ação semelhante.

CPI

Logo após o ocorrido, no início de março, a Câmara de Vereadores instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso e cassar o mandato de Fantinel. O grupo trabalhou durante dois meses.

Por meio de sorteio, a CPI foi presidida pela vereadora Tatiane Frizzo (PSDB); teve como relator, Edi Carlos Pereira de Souza (PSB); e Felipe Gremelmaier (MDB), como integrante. O processo investigatório foi originado por quatro documentos externos: do ex-vice-prefeito municipal Ricardo Fabris de Abreu; da então presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Caxias do Sul, Maria Cecilia Pozza; do secretário-geral do Patriota, Davi Catarino Santana; e das Defensorias Públicas dos Estados da Bahia e do Rio Grande do Sul.

No final, nove vereadores votaram a favor e 13 foram contra. Pelo Regimento Interno, seriam necessários 16 votos favoráveis (2/3 do plenário).

A reportagem do Portal Leouve contatou Sandro Fantinel, no início da manhã desta terça-feira (24). Ele respondeu por meio de mensagem.

“Nada a declarar no momento. Iremos até a última instância. Quero que o mundo veja no que virou o Brasil. A democracia foi sepultada em 2022”, afirmou.

Confira a declaração de Fantinel, na tribuna do legislativo:

“(…) Gente, eu só vô dá um conselho, agricultores, produtores, empresas agrícolas que
estão nesse momento me acompanhando, eu vô dá um conselho pra vocês não contratem
mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo, vamos cria uma linha e vamo contratar
os argentino, porque todos os agricultores que tem argentinos trabalhando hoje só batem
palma. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantém a casa limpa e no
dia de ir embora ainda agradecem o patrão (…). Em nenhum lugar do estado na agricultura
teve um problema com argentino ou com grupo de argentino, agora com os baianos que a
única cultura que eles tem é vive na praia tocando tambor, era normal que fosse tê esse
tipo de problema, então eu quero dizê, deixem de lado, deixem lado, que isso sirva de lição,
deixem de lado, aquele povo que é acostumado com carnaval e festa pra vocês não se
incomoda (…)”, diz nos autos do processo.