Foto: Vielas Espaço Cultural/Divulgação
Foto: Vielas Espaço Cultural/Divulgação

O bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, em Caxias do Sul, se prepara para um momento histórico. No próximo fim de semana, dias 22 e 23 de novembro, será lançado oficialmente o Museu de Arte Regina Rodrigues Machado (MARM), primeiro museu a céu aberto da cidade, resultado do projeto Tem Arte na Favela, desenvolvido pelo Vielas Espaço Cultural. A iniciativa consolida um processo de transformação que teve início em 2022, quando os primeiros murais começaram a colorir as paredes das casas e a mudar a forma como o território é percebido.

O novo museu nasce com o objetivo de inventariar 70 obras de graffiti e muralismo já existentes no bairro, produzir dois murais inéditos, implementar visitas guiadas com audiodescrição e promover a arte como instrumento de cidadania e memória. O catálogo estará disponível no site do Vielas. A homenagem a Regina Rodrigues Machado (1919–2003) reconhece uma figura histórica do Beltrão, uma líder comunitária que, ao lado do marido, Florêncio Machado, ajudou a organizar a vida social e solidária do bairro.

“Dar o nome de Regina ao museu é reconhecer a força feminina da nossa história. Ela representa o cuidado e o espírito de união que sustentam o Beltrão até hoje”, afirma Fernando Morais, presidente do Vielas Espaço Cultural e um dos idealizadores do projeto.

A líder que inspirou o museu

Regina Rodrigues Machado – Foto: Arquivo Pessoal

Regina Rodrigues Machado nasceu em São Francisco de Assis (RS), em 1919, e mudou-se para Caxias do Sul ainda jovem. Casou-se com Florêncio Machado, operário e sindicalista que atuou na diretoria do Círculo Operário Caxiense, participou da construção do Hospital Medianeira (atual Hospital do Círculo) e foi presidente do Clube Gaúcho, tradicional instituição fundada pela comunidade negra da cidade.

No Beltrão, conhecido, à época, como “Zona do Cemitério”, pela proximidade com o Cemitério Público Municipal, Regina tornou-se uma referência de solidariedade. Fundou o Clube de Mães Vovó Regina, organizou campanhas de arrecadação de alimentos e promovia festas para as crianças da vizinhança.

“Ela sempre dizia: ‘Vocês nunca neguem um pedaço de pão, porque a gente dá com uma mão e Deus dá com outra’”, recorda Anita Rodrigues Machado, quarta dos 14 filhos do casal, hoje aos 80 anos, 75 deles residindo no bairro.

Anita conta que os pais ajudavam a identificar famílias que precisavam de auxílio e recebiam doações do padre Eugênio Giordani (1910-1985), da Igreja de São Pelegrino.

“Às vezes a mãe ia por todos os becos para ver quem estava precisando”, relembra.

Para além da atuação comunitária, Regina conciliava os afazeres domésticos ao trabalho de faxineira e lavadeira, com o objetivo de empregar a renda na educação dos filhos e na própria instrução: formou-se no Curso de Corte e Costura do Círculo Operário Caxiense.

Ela também recorda o papel do Clube Gaúcho na vida da família e da população negra da cidade.

“Meu pai era preto, então era lá que ele nos levava, porque em outras sociedades não nos aceitavam na época. O clube foi criado porque os negros não tinham onde se distrair, dançar”, conta Anita, que chegou a ser rainha da escola de samba Protegidos da Princesa, ligada ao clube.

Formada em Técnico em Contabilidade e Magistério, a servidora municipal aposentada lembra com orgulho do incentivo dos pais à educação.

“Fui estudar no Colégio São Carlos com bolsa de estudos. Uma menina da Zona do Cemitério! Fui até o fim. O pai sempre incentivava”.

Sobre a homenagem à mãe, ela se emociona.

“Quando o Fernando (Morais) me falou, fiquei muito feliz. Meus irmãos estão todos querendo vir no dia 23. Ver o nome dela no museu é como ver nossa história reconhecida”.

Foto: Diego Adami, Sublinha Comunicação/Divulgação – Anitta Rodrigues Machado, filha de Regina Rodrigues Machado.

Arte e pertencimento no território

O projeto Tem Arte na Favela tem o objetivo de transformar o bairro em um ponto cultural e turístico de Caxias do Sul, valorizando a arte urbana e a identidade periférica. Antes da inauguração oficial, o público docente da rede municipal participou de quatro edições do Graffitour, percurso de cerca de um quilômetro pelas ruas do bairro, com o propósito de aproximar educadores do território e desmistificar a ideia de que o local é lugar de violência e pobreza.

Durante o fim de semana de celebração, nos dias 22 e 23, os artistas Rusha SilvaNiggaz e o convidado Erick Citron realizarão novas intervenções no espaço público, ao lado de uma feira de mulheres empreendedoras, show musical com o rapper Nego Dinóia e oficina de graffiti com o artista plástico Andrigo Martins.

O ponto alto da programação será no domingo (23), às 16h, com a entrega oficial do Museu de Arte Regina Rodrigues Machado e visita mediada com audiodescrição pelo Graffitour.

“O graffiti passou a ser um espelho da comunidade. Cada parede reflete um pedaço da nossa história, das nossas lutas e alegrias. O museu é a continuidade desse processo de reconhecimento”, conclui Fernando Morais.

O projeto Tem Arte na Favela é uma realização do Vielas Espaço Cultural, com apoio cultural das empresas Go Image, Instituto Elisabetha Randon e Randoncorp. Financiamento da Lei de Incentivo à Cultura de Caxias do Sul.

Reconhecimento

Em 2025, o Ministério da Cultura, por meio do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), reconheceu oficialmente o Museu de Arte Regina Rodrigues Machado (MARM) como um museu a céu aberto.

Graffitour é uma das 34 ações de 18 estados brasileiros finalistas da 38ª edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os vencedores serão anunciados no dia 25 de novembro. Entre as iniciativas gaúchas, apenas duas chegaram à etapa final: o Graffitour e o projeto Entre Rios.

Programe-se!

O que: Tem Arte na Favela

Onde: Bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, em Caxias do Sul (R. Vinte de Setembro, 3.459, em frente ao Vielas Espaço Cultural)

22 de novembro, sábado

8h às 12h e 13h às 17h: produção das obras de graffiti e muralismo com Rusha SilvaNiggaz e Erick Citron

Projeto Narrativas do Beltrão, do Grupo Terra Coletiva. Financiamento Fundo Social do Sicredi

14h: abertura 

14h15min: oficina de Colagem com STANG

14h30min: retratos de família com Elis Bittencourt 

15h: DJ Set Brasilidades com Paulinha Del Mar

17h: encerramento

23 de novembro, domingo

8h às 12h e 13h às 17h: produção das obras de graffiti e muralismo com Rusha Silva, Niggaz e Erick Citron

13h às 17h: Feira de Mulheres Empreendedoras da União de Mulheres Brasileiras.

14h: Oficina de graffiti para crianças e adolescentes com Andrigo Martins

14h às 16h: atração musical com o DJ DiNóia

16h: cerimônia de entrega do Museu de Arte Regina Rodrigues Machado, obras legado e resultado do inventário para a comunidade. Visita guiada do Graffitour com audiodescrição