O muro de uma empresa na Rua Guilherme Fasolo, no bairro Maria Goretti, em Bento Gonçalves, ganhou novos significados nos últimos dias. O espaço, até então neutro, se transformou em uma poderosa homenagem às vítimas das enchentes e à força do povo gaúcho, pelas mãos do artista venezuelano Angel Lucena.
Radicado em Bento há cerca de seis anos, Angel chegou ao Brasil com a esposa e a filha — então com dois anos — fugindo das dificuldades econômicas da Venezuela. Hoje, já com mais dois filhos nascidos em solo brasileiro, ele encontrou na arte uma forma de reconstruir sua história e contribuir com a comunidade que o acolheu.
“Assim que cheguei, precisei de estabilidade e trabalhei como pintor em duas empresas da cidade. Depois de um ano, abri meu MEI e fui atrás dos meus próprios clientes”, conta Angel.
Desde então, seu trabalho artístico se espalhou não apenas por Bento, mas por cidades como Passo Fundo, Sapiranga, Santa Cruz, Caxias do Sul e Porto Alegre. Seus murais já decoram restaurantes, barbearias, salões de beleza e outros estabelecimentos comerciais.
O mural que agora dá cor ao bairro Maria Goretti foi idealizado como uma homenagem a Ronaldo Garbin, figura reconhecida por seu envolvimento nas ações de ajuda durante a tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul em 2024. A iniciativa surgiu dos moradores Rafael e Cassiano, que buscaram apoio com empresas para arrecadar materiais e recursos necessários.
Segundo Angel, o local foi escolhido a partir da proposta apresentada ao proprietário do imóvel, que aceitou ceder o espaço. A obra não é apenas um tributo individual, mas um símbolo coletivo da dor, solidariedade e fé que marcaram a tragédia. A pintura retrata, entre outras imagens, Jesus Cristo abraçando uma criança — representação do acolhimento espiritual — e um cavalo sobre um telhado, figura que remete à resistência diante da destruição provocada pelas cheias.
“Eu e o Rafael conversamos sobre o que ele gostaria de ver no mural. Com base nisso, fiz uma composição no tablet, unindo os elementos e construindo a ideia até chegarmos à arte final. É um trabalho que toca não só a família do Ronaldo, mas todo o povo gaúcho”, afirma o artista.
O processo, no entanto, foi desafiador. A umidade do solo e o frio dos últimos dias exigiram ajustes no ritmo da pintura.
“Como atrás do muro tem terra, ele sua muito. Preciso esperar até às 11h para começar a pintar, porque antes disso a parede ainda está molhada pelo sereno”, explica.
Além disso, a alta visibilidade do local e o interesse de quem passa acabaram contribuindo para um leve atraso:
“Muita gente para para conversar, elogiar, pedir orçamento. Isso me emociona, mas também toma tempo”, diz Angel, entre sorrisos.
Apesar dos imprevistos, o artista já está nos retoques finais e deve concluir a obra nos próximos dias. A pintura virou uma espécie de ponto de encontro e reflexão no bairro. Moradores param, observam e se emocionam com o mural, que transforma um simples muro em um memorial da superação.